Mariana Fontes da Costa, Visão online,
O facto de não se negar validade aos contratos de swap ditos “meramente especulativos” não significa admitir que estes sejam imunes aos princípios e normas que regulam o direito português dos contratos.
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Desde o início da crise económico-financeira de 2007/2008, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) foi chamado a pronunciar-se com frequência sobre a validade e a intangibilidade de conteúdo de diversos contratos de swap, em decisões paradigmáticas pelas reflexões que suscitam, mas também pela sua diversidade.
Num primeiro acórdão, datado de 10 de outubro de 2013, entendeu o STJ que a crise de 2007/2008 consubstancia uma alteração relevante de circunstâncias, fundamentadora do direito do lesado à extinção do contrato de swap. Tratou-se de decisão revolucionária face à tradicional postura jurisprudencial de cautela em matéria de força vinculativa dos contratos e deu o mote de partida para acesos debates a que continuamos a assistir presentemente.
Num outro acórdão, datado de 29 de janeiro de 2015, concentrou-se o STJ na própria essência do contrato de swap e na função e valor que o mesmo representa nas relações sociais que visa regular. Em decisão que se firma no cerne da validade do próprio contrato, o Supremo entendeu que um contrato de swap com finalidade meramente especulativa, por não ter subjacente um desígnio de cobertura de qualquer risco associado a uma ou mais operações financeiras ou a uma carteira de ativos ou passivos, está sujeito a um especial juízo de desvalor pela ordem jurídica, derivado diretamente do desvalor atribuído pela mesma à pura especulação. Assim, e ponderando as “desutilidades sociais e económicas” suscetíveis de serem geradas por um contrato meramente especulativo, decidiu o Tribunal concluir pela contrariedade à ordem pública do contrato de swap em análise, admitindo a sua nulidade.
A tendência protecionista do cliente lesado que se materializou nos acórdãos de 10 de outubro de 2013 e de 29 de janeiro de 2015 veio, porém, a sofrer uma forte inflexão a partir do acórdão de 11 de fevereiro de 2015, confirmada e reforçada no acórdão de 26 de janeiro de 2016 (todas estas decisões podem ser consultadas in www.dgsi.pt). Em ambos os acórdãos se rejeita a invalidade do contrato de swap com fundamento em natureza meramente especulativa e se retira daí a não contrariedade do mesmo à ordem pública. Da conjugação das decisões resulta ainda a rejeição de que o desequilíbrio negocial gerado em consequência da descida das taxas de juro motivada pela crise seja fundamento de nulidade por desaparecimento da causa do negócio, ou constitua a exigência do cumprimento neste contexto de desequilíbrio uma atuação contrária à boa fé ou um abuso de direito. Mais, entende-se no acórdão de 26 de janeiro de 2016 que está igualmente afastado o recurso ao instituto da alteração superveniente das circunstâncias, desde logo por se negar a “anormalidade” da crise económico-financeira de 2008 por se tratar de “fenómeno cíclico” na economia.
Não sendo este o contexto apropriado para analisar, com o devido cuidado, cada um dos argumentos avançados para justificar as diferentes decisões proferidas nesta matéria, gostaria, no entanto, de referir duas notas.
Em primeiro lugar, é relevante salientar que o problema do desequilíbrio negocial gerado pela crise económico-financeira de 2008 nos contratos de swap é apenas uma face presentemente mais visível do potencial de perturbação a que estão expostos todos os instrumentos financeiros derivados; este é um aspeto da maior relevância quando se assiste a uma crescente generalização do recurso aos derivados financeiros em setores a eles tradicionalmente alheios e com parceiros pouco familiarizados com a sua lógica própria. Daí que se encontre uma base alargada de consenso quanto ao facto de ser no respeito dos deveres especiais de informação que vinculam os intermediários financeiros que deve assentar o primeiro controlo do ordenamento jurídico quanto à validade do derivado (foi, aliás, esta a base onde assentou a decisão do Supremo Tribunal Alemão de 22 de março de 2011, que condenou a instituição bancária ao pagamento de indemnização por violação dos deveres de informação em contrato de swap de taxas de juro).
Em segundo lugar, o facto de não se negar validade aos contratos de swap nos quais não é possível associar a finalidade de cobertura de risco a operações financeiras ou a carteiras de ativos ou passivos específicos não significa, conforme assinalou a Juíza Conselheira Doutora Maria Clara Sottomayor no seu voto de vencida no acórdão de 26 de janeiro deste ano, admitir que estes contratos sejam imunes aos princípios e normas que regulam o direito dos contratos, nomeadamente o regime das cláusulas contratuais gerais, a proibição da usura, a não contrariedade à ordem pública e a alteração superveniente das circunstâncias. Caberá ao julgador avaliar do preenchimento dos pressupostos e requisitos de cada um destes institutos perante o caso concreto e retirar daí as consequências devidas.