Manuel Castelo Branco, Visão online,

 

Poderemos esperar de personagens como Moscovici ou Dijsselbloem comportamentos diferentes daqueles que têm apresentado? A educação daqueles que nos representam deve ser motivo para preocupação?
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Ha-Joon Chang inicia o seu mais recente livro, já traduzido para português com o título “Economia - Guia do utilizador”, com uma crítica daquilo que pode ser designado de “imperialismo da Economia”. Referindo-se a alguns dos mais reconhecidos economistas atuais, Chang atribui-lhes, com uma boa dose de humor, a pretensão de fazer com que a Economia forneça uma explicação da vida, do universo e de (quase) tudo o mais. Chang afirma que este estado de coisas parece configurar um caso de megalomania, deixando no ar a seguinte questão: como pode um saber que se demonstrou incapaz de explicar o seu objeto pretender explicar (quase) tudo o resto?

Como tem vindo a sugerir nos seus escritos Ha-Joon Chang, tal como praticada nas últimas três décadas, a ciência económica dominante, a dos economistas defensores do mercado livre, pior do que irrelevante, tem sido claramente prejudicial para a maior parte das pessoas. Stephen Marglin, num livro que publicou em 2008 refletindo sobre “como pensar como um economista mina a comunidade”, considera que tal abordagem à Economia, porque celebra o indivíduo calculador, preocupado unicamente com o seu interesse próprio, e o mercado como meio de realizar as satisfações individuais, tem tido um papel importante na desconsideração de oposições à extensão do papel do mercado e, dessa forma, minando a comunidade. Marglin pergunta se é possível construir comunidades que asseguram ligações humanas profundas e ao mesmo tempo preservam o espaço adequado para a diversidade humana, considerando que a resposta a tal questão nunca será encontrada enquanto nos encontrarmos cegos pela ideologia do mercado, que torna a comunidade invisível.

Os próprios estudantes de Economia têm manifestado a sua frustração relativamente a esta abordagem à Economia, a que lhes é ensinada na maioria das instituições de ensino superior. Embora os estudantes franceses tenham sido os pioneiros deste movimento de contestação, em 2000, através da criação de um Movimento dos Estudantes para uma Reforma do Ensino em Economia insurgindo-se contra o que chamaram de “autismo em economia”, foram os estudantes britânicos que, após a crise de 2008, mais se notabilizaram na expressão do seu descontentamento. Por exemplo, em 2012 foi criada, por um grupo de estudantes da Universidade de Manchester (Reino Unido), a “Sociedade da Economia Pós-Crise” (Post-Crash Economics Society). Esta sociedade pretende abordar, de forma diferente, o ensino da economia, e acusa os atuais curricula das universidades de apenas se centrarem na teoria ortodoxa do mercado livre, apresentando-a como única, e de deixarem à margem abordagens e autores alternativos. Mais recentemente, em 2014, surgiu uma iniciativa internacional com propósitos semelhantes, a International Student Initiative for Pluralism in Economics (ISIPE), a qual inclui entre os seus membros uma associação portuguesa de estudantes de Economia, o Coletivo Economia sem Muros, da School of Business and Economics da Universidade Nova de Lisboa.

Todavia, um dos acontecimentos relacionados com esta “revolta” dos estudantes mais noticiados nos meios de comunicação social ocorreu nos EUA, na Universidade de Harvard, em novembro de 2011, envolvendo estudantes da disciplina de Economia oferecida pelo professor Greg Mankiw, autor de um dos mais utilizados livros de introdução à Economia. Cerca de 70 desses estudantes decidiram sair da sala de aulas como ato de protesto contra o que consideraram ser, como formalizaram numa carta aberta que posteriormente endereçaram a Mankiw, o enviesamento que caracterizava a forma como este ensinava a Economia. A perspetiva da Economia apresentada por Mankiw nas suas aulas foi descrita pelos estudantes como adotando um visão da Economia muito específica e limitada, a qual eles acreditavam perpetuar a desigualdade que caracteriza(va) a sociedade em que vivem. Mankiw foi criticado por não oferecer uma discussão adequada sobre os fundamentos da Economia e sobre abordagens alternativas a ela. Mais ainda, reconhecendo os papéis desempenhados pelos diplomados pela escola que frequentavam nas instituições financeiras e no desenho das políticas públicas adotadas em todo o mundo, esses estudantes consideraram que, por não lhes ser transmitida uma compreensão crítica da Economia, muito provavelmente as ações de tais diplomados seriam prejudiciais ao sistema financeiro global, como teriam comprovado os últimos anos de tumulto económico.

A este propósito, não podemos deixar de concordar com Joseph Stiglitz quando, referindo-se aos economistas, sugere, no seu livro “O preço da desigualdade”, que talvez não haja outro grupo relativamente ao qual seja tão verdadeira a ideia de que a educação também molda as crenças e as perceções, reconhecendo existência de evidência considerável de que as perceções dos economistas relativamente a assuntos como a equidade são substancialmente diferentes das do resto da sociedade. Dado o papel desempenhado por eles na política pública, as suas perceções do que é justo e a forma como abordam a relação de interdependência entre equidade e eficiência podem ter consequências desproporcionadas, como sugere Stiglitz.

Esta crónica foi espoletada pelos comportamentos recentes de alguns economistas de cujas mundividências depende a forma como a vida de muitos de nós decorrerá no futuro. Entre eles contam-se Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, e Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo. Poderemos esperar de personagens como Moscovici ou Dijsselbloem comportamentos diferentes daqueles que têm apresentado? A educação daqueles que nos representam deve ser motivo para preocupação?