José Manuel Pires Leal, Visão online,

 

Sem demérito para outros necessários investimentos para a diminuição da fraude, importa recuperar pensamento feito, no qual se reitera que o investimento efetuado em tenra idade na educação e nos valores tende a evitar uma maior intensidade de processos repressivos na fase adulta.

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A fraude enquanto conceito representativo da produção de erro ou engano remete-nos invariavelmente para a dimensão do comportamento do indivíduo, no contexto da sociedade dos indivíduos. O indivíduo, ente animado de paixões e racionalidade, desenvolve-se ao longo do processo de socialização, durante o qual vai incorporando no seu sistema de disposições um quadro de valores e representações complexo que o orientará na tomada de decisão e na ação. É na prossecução dos seus interesses individuais e na negociação com o outro que o indivíduo vai construindo a sua identidade enquanto ser social, e vai aderindo a determinados agrupamentos sociais. É pois por entre a construção da estrutura moral do indivíduo, os contextos culturais e económicos em que manifesta a sua existência, as pressões sociais e de distribuição desigual de poder, as representações simbólicas e as expetativas pessoais e sociais, que se exprime o complexo da razão e da volição, e que se manifestam através do pensamento, da tomada de decisão e da ação, entre a fratura e a conformidade com o normativo.

Do comportamento individual fraturante da normatividade à sociedade de risco, ou à sociedade dos riscos e dos sistemas e dispositivos de confiança, implementaram-se ao nível local e global nas diversas dimensões da vida social, sistemas e dispositivos de regulação e prevenção, e de fiscalização e repressão, de comportamentos e atividades. Desenvolveram-se mecanismos jurídicos e tecnológicos que têm como objetivo a regulação e a fiscalização de atividades, a previsibilidade e a prevenção de riscos, e a repressão de comportamentos lesivos da ordem e do normal funcionamento dos sistemas que permitem a vida social e económica em comunidade. Todavia, tanto o risco, como a fratura com a normatividade, e o crime são elementos constitutivos e representativos do funcionamento da vida em sociedade, e relativamente normais, desde que dentro de determinado índice de prevalência, de contenção e controlo social.

A expressividade da fraude, instrumentalizada na maioria das vezes nas relações de natureza económica e patrimonial, tende a dar lugar à configuração de diversos ilícitos de tipo penal que ora adquirem uma dimensão de prejuízo localizado ao nível pessoal e individual, ora a uma dimensão mais alargada de desestruturação sistémica com repercussão direta e indireta noutros setores da vida em sociedade e da credibilidade dos dispositivos garantisticos da manutenção da confiança.

Quer a confiança, quer a redução do risco são desideratos de uma mesma estratégia cuja arquitetura de intervenção se deve operar de forma concomitante nas várias latitudes da problemática em que se poderá gerar a quebra do contrato social. Do processo de formação do indivíduo, à sua adesão aos diversos agrupamentos sociais, às representações sociais singulares e coletivas, às expetativas e às práticas do sujeito tendo em conta o que valoriza, os limites axiológicos à ação, os sistemas, processos e dispositivos de regulação, prevenção, fiscalização e repressão de atividades e comportamentos remetem-nos por entre o individual e o coletivo, e o indivíduo e a sociedade, para a sociedade dos indivíduos, na qual o indivíduo enquanto sujeito, e o seu processo de socialização, adquirem um papel preponderante na construção da dimensão da probabilidade do risco. O modo como percecionamos o outro e a propriedade alheia e coletiva, torna-se decisivo para a equação da dimensão da fratura normativa. Sem demérito para outros necessários investimentos para a diminuição do dano nesta problemática, importa recuperar pensamento feito no Período Arcaico, no qual se reiterava que o investimento feito em tenra idade na educação e nos valores tende a evitar uma maior intensidade de processos repressivos na fase adulta. É pois a ideia de educar e de formar para a cidadania. As ideias, os processos e os sistemas existem, apenas necessitam de se tornar mais efetivos na vida dos indivíduos e na sociedade dos indivíduos.