José António Moreira, OBEGEF
O regime de resolução das instituições financeiras foi alterado a nível europeu, vigorando desde o início do mês um regime de “bail in”. Em caso de dificuldades, antes dos contribuintes serem chamados a responder pelas perdas da instituição há uma hierarquia de outros potenciais salvadores....
O apressado desfecho da situação do ex-Banif, recentemente desaparecido da cena financeira portuguesa como por ato de magia, poderá não ter sido alheio à adoção do “bail in” como base de tratamento dos casos de instituições financeiras em dificuldades. A partir de agora, tais casos terão de ser resolvidos no respetivo interior (daí o “in”) e não, como até agora acontecia, no exterior (“bail out”), isto é, à custa dos contribuintes.
O regime de resolução das instituições financeiras foi alterado a nível europeu, vigorando desde o início do mês um regime de “bail in”. Em caso de dificuldades, antes dos contribuintes serem chamados a responder pelas perdas da instituição há uma hierarquia de outros potenciais salvadores. Como acontecia até há dias, para além dos acionistas, dos obrigacionistas com dívida subordinada, e do Fundo de Resolução do sistema bancário (que passa a ficar com a responsabilidade limitada a 5% das dívidas do banco), “entram na dança”: i) os obrigacionistas com dívida sénior, até agora protegidos – veja-se o que aconteceu nos últimos dias com o BES, em que uma parte da dívida a esses obrigacionistas passou para o “banco mau”, o que significa na prática poucas ou nenhumas hipóteses de virem a recuperarem os valores investidos; ii) mais surpreendente ainda, os depositantes com valores superiores a 100.000 euros de depósitos também serão chamados a responder pela salvação da instituição. É verdade, tais depositantes deixam de estar a salvo. Embora não tenham qualquer possibilidade de influenciar os destinos da instituição, nem sejam responsáveis pelas decisões de gestão que levaram às dificuldades daquela, são financeiramente responsabilizados.
Deixe-se, por agora, a discussão sobre a (in)justiça de responsabilização dos depositantes, e pense-se antes nas potenciais consequências do novo regime. Para quem tem no máximo algumas centenas de milhares de euros, a divisão do montante por diversos bancos, ou por diversos familiares/amigos que passem a aparecer como titulares, pode servir para eliminar essa responsabilidade. Já para quem tem poupanças de maior volume, ou para quem não quer ter o incómodo e custo de andar a constituir pequenos mealheiros, aplicar poupanças a médio e longo prazos, sobretudo tratando-se de obrigações, vai implicar a exigência por parte de tais aforradores de taxas de remuneração mais elevadas para cobrir o acréscimo de risco inerente a essas “gordas” aplicações.
Significará isto que, passada esta fase de “quantitative easing” do BCE, traduzida na extrema abundância de meios financeiros existente no sistema, a tendência será para o aumento do custo do dinheiro. Ou seja, na prática, o “bail in” evita que as situações de insolvência das instituições financeiras caiam diretamente sobre os contribuintes, mas não evita que os afete indiretamente, por via do crédito que tomam de empréstimo, ou por via do aumento do preço dos produtos que compram, onde estará refletido o custo acrescido do crédito bancário usado pelas empresas. Ou seja, sobretudo num país de famílias endividadas e de muito baixa poupança, como Portugal, a tendência irá ser para que os “pagantes” das insolvências (“resoluções”) continuem na prática a serem os mesmos de sempre, agora não como contribuintes, mas como devedores. Bem, para ser mais preciso, provavelmente não serão exatamente os mesmos pagantes, na medida em que os até agora sobrecarregados contribuintes tenderão a não corresponder necessariamente aos cidadãos mais endividados.
Quanto àqueles que conseguem fazer alguma poupança, o limite dos 100.000 euros irá potencialmente aparecer, sempre, como o patamar “fantasma” a partir do qual o incentivo para continuar a poupar tenderá a atenuar-se.
Dado que o sistema financeiro português parece não estar ainda devidamente consolidado, e à medida que cada cidadão se for inteirando do conteúdo e alcance das novas regras, os próximos tempos serão, sem dúvida, “interessantes”, em termos de aprendizagem, de modo particular para os que não venham a ser obrigados a “dançar” a nova modinha. Para mim, é até possível que as novas regras venham a ser, ainda que indiretamente, um incentivo à pequena poupança e à redução do endividamento das famílias e empresas.
Termino como comecei: com o caso Banif. Aguardo que seja esclarecido, cabalmente, a quem é que aproveitou que a instituição tivesse o destino que teve mesmo antes da introdução do novo enquadramento regulamentar a nível europeu. Não foi certamente aos pobres Zés Ninguém que lá tinham domiciliada a conta onde mensalmente recebiam o respetivo salário. Os contornos da operação, e a pressa com que foi executada, não auguram nada de bom. Mesmo nada.