Aurora A. C. Teixeira, Visão online,

 

2015 foi um ano ‘limpinho, limpinho’, como não há memória, para os cofres do Estado e contribuintes.

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Um treinador é como um pintor. (...) Já contei esta história da Paula Rego: estive uma vez numa exposição e ela dizia-me a mim e às outras pessoas que era uma figura que se chamava Maria e que estava a chorar; 'ah está a chorar?' não via nada... mas ela sabia que estava a chorar. É como o treinador.” (Jorge Jesus, Treinador)

 A genuinidade de Jorge Jesus, tantas vezes motivo de (injusto) escárnio, deveria ser levada mais a sério. Analisadas com mais pormenor, as suas ‘tiradas’ assentam que nem uma luva (de boxe!) aos desvarios, estupefacções e (a)normalidades que os portugueses tiveram que vivenciar ao longo do ano de 2015.

À semelhança de um ‘treinador’, o ‘zé povinho’ é como um pintor: Portugal aparece na ‘pintura’ como um país sujo, corrupto, mas o ‘zé povinho’ sabe que Portugal está ‘limpinho’.

2015 foi um ano ‘limpinho, limpinho’, como não há memória, para os cofres do Estado e contribuintes.

1. Até novembro de 2015, e segundo a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, o anterior executivo terá gasto 629,8 milhões da ‘almofada financeira’ (verbas destinadas a cobrir eventuais despesas excecionais ou não previstas), isto é, dois terços dos 945,4 milhões inicialmente inscritos no OE2015.

2. Segundo Jorge Tomé, ex-presidente executivo do Banif (e ex-administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos), “[a]s contas do Banif estavam limpinhas”. Sim, foi mais uma ‘limpeza a fundo’ no erário público:

  • 825 milhões que o Estado tinha a recuperar no Banif já eram;
  • apesar de, supostamente, a venda ao Santander Totta garantir 150 milhões, a medida de resolução associada à venda prevê uma injeção de dinheiros públicos no valor de 2,2 mil milhões de euros.

Por outras palavras, os contribuintes portugueses vão desembolsar com o Banif cerca de 2,9 mil milhões de euros - uma verdadeira ‘limpeza a seco’!

3. O pós-eleições ‘limpou’ a devolução da sobretaxa do IRS, tendo recentemente o atual primeiro-ministro António Costa afirmado não haver “condições financeiras” para acabar com a sobretaxa do IRS em 2016 (pese embora o optimismo de António Costa, eu acrescentaria, 2017, 2018…).

4. O branqueamento (de capitais) foi uma constante (mas, verdade seja dita, na Suíça ainda se ‘lava mais branco’), entre as ‘operações’ mais mediáticas de 2015 surgem:

  • Operação Monte Branco: enorme teia iniciada com o BPN - cuja nacionalização e reprivatização, de acordo com um relatório do Tribunal de Contas divulgado em julho de 2015, custaram aos cofres do Estado, até ao final de 2014, quase 2,7 mil milhões de euros – e que envolve também o antigo BES e o seu então presidente, Ricardo Salgado (em causa o ‘presente’ de 14 milhões de euros de José Guilherme ao banqueiro).
  • Operação Marquês: o processo do empreendimento Vale do Lobo, no Algarve. A Caixa Geral de Depósitos terá financiado o negócio, quando Armando Vara (ex-ministro no executivo de António Guterres e ‘amigo de longa data’ de José Sócrates), constituído arguido no âmbito desta operação, era administrador da instituição, acabando o banco público por perder mais de 100 milhões de euros. Em outubro de 2015, Vara foi libertado da prisão domiciliária tendo pago uma caução de 300 mil euros.
  • Processo “Universo Espírito Santo” onde ex-presidente do BES, Ricardo Salgado (e outros arguidos), é suspeito da prática de diversos crimes, designadamente fraude fiscal, corrupção no sector privado e branqueamento de capitais. Salgado foi recentemente libertado após ter prestado uma caução de 1,5 milhões de euros, metade do valor original da caução fixada, alegando “insuficiência económica”.

Mas nem tudo pode ser ‘branqueado’! Portugal é um país onde a amizade ‘vale’ milhões, no sentido literal da palavra. Que o digam Ricardo Salgado ou José Sócrates…

‘Liberalidade’1 entrou, em 2015, definitivamente para o léxico ‘posh’. Para Ricardo Salgado os 14 milhões de euros que recebeu do construtor José Guilherme, tratou-se tão-somente de uma ‘liberalidade’, um presente. Assim, o certificou Calvão da Silva, num parecer datado de novembro de 2013. Para o efémero, mas carismático, ex-ministro da Administração Interna, os €14 milhões foram um presente dado “ao amigo de longa data”, efectuado no mais puro “espírito de entreajuda e solidariedade”, desejando “ter para com ele uma atenção, pela ajuda preciosa que lhe dera” no “enorme sucesso [que obtivera com investimentos] em Angola”.

Também valendo-se de um ‘amigo de longa data’, e de acordo com a acusação proferida pelo Ministério Público, desde 2008, José Sócrates ‘limpou’ mais de 9 milhões de euros das contas de Carlos Santos Silva.

Conforme diz o provérbio, “Quem tem amigos, não morre na cadeia”. Não se pode dizer, no entanto, que se saia de lá ‘limpinho’…

 

Nota:

1 s.f. Generosidade; característica ou estado da pessoa generosa; propensão da pessoa que, por suas ações e intenções, oferece algo sem esperar nada em troca.

afinal é já para o início de 2017!