Nuno Moreira, Visão online,

 

a operacionalização de práticas de combate à corrupção por parte das organizações e as divulgações previstas neste processo de relato obrigatório de informações não financeiras, representam inequivocamente mais um importante contributo numa ótica de responsabilidade social.”

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Com a Diretiva 2014/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2014, a qual terá que ser transposta pelos Estados-Membros em 2016, para vigorar a partir de 2017, a União Europeia torna obrigatória a divulgação de informações não financeiras e de informações sobre a diversidade por parte das entidades de interesse público, que excedam um número médio de 500 empregados durante o respetivo período. Divulgações que deverão ser vertidas numa demonstração não financeira, cujo conteúdo mínimo obrigatório deverá integrar, nomeadamente, uma divulgação sobre as práticas de combate à corrupção e tentativas de suborno, tudo parte integrante do relato anual destas organizações.

Pretende-se, sobretudo, aumentar a relevância, a consistência e a comparabilidade das informações divulgadas, agregando no mesmo relato todas as componentes (“capitais”) que contribuem de forma efetiva para o sucesso empresarial e para a criação de valor, não só no curto mas também no médio e longo prazo. Numa lógica de “pensamento integrado” do International Integrated Reporting Council (IIRC), conjuntamente com o “capital” financeiro, devem também ser abrangidos em termos de divulgação /relato os “capitais” não financeiros (manufaturado, intelectual e organizacional, natural, humano, social e relacional). Estes “capitais” não financeiros, automaticamente, irão também alargar o horizonte temporal do tradicional e redutor relato financeiro, apenas de curto prazo.

Em Portugal, embora diversas organizações já divulguem voluntariamente, e numa ótica de responsabilidade social, informações desta natureza, em especial através de relatórios de sustentabilidade, estima-se que a obrigatoriedade agora concretizada incremente significativamente o número de organizações que irão elaborar a referida demonstração não financeira.

De sublinhar que o Parlamento Europeu tinha vindo a reconhecer anteriormente a importância de as empresas divulgarem informações sobre a sustentabilidade, nomeadamente no que respeita aos fatores sociais e ambientais, a fim de identificar os riscos para essa mesma sustentabilidade, bem como para aumentar a confiança, nomeadamente, dos investidores; por exemplo, as iniciativas com referência ao ano anterior ao da diretiva, a saber, as resoluções de 6 de fevereiro de 2013 intituladas, respetivamente, “Responsabilidade social das empresas: comportamento responsável e transparente das empresas e crescimento sustentável” e “Responsabilidade social das empresas: promoção dos interesses da sociedade e via para uma retoma sustentável e inclusiva”.

Conforme referido na Diretiva 2014/95/UE “... a divulgação de informações não financeiras é vital na gestão da mudança para uma economia global sustentável, combinando a rentabilidade a longo prazo com a justiça social e a proteção do ambiente. Neste contexto, a divulgação de informações não financeiras contribui para a medição, para o acompanhamento e para a gestão do desempenho das empresas e do seu impacto na sociedade.”

No âmbito desta responsabilidade social empresarial, a corrupção recebeu durante muito tempo menos atenção que as restantes vertentes, em especial, comparativamente com o ambiente, trabalho ou direitos humanos. Contudo, nos anos mais recentes e pela mão de algumas entidades a nível internacional e do respetivo “guidance” de boas práticas (e.g. Global Reporting Initiative) esta realidade tem vindo a alterar-se; a operacionalização de práticas de combate à corrupção por parte das organizações e as divulgações previstas neste processo de relato obrigatório de informações não financeiras, representam inequivocamente mais um importante contributo numa ótica de responsabilidade social.

Neste entretanto, até a diretiva produzir de forma efetiva os seus efeitos, convém, porém, tomar a devida consciência dos relevantes desafios que ainda se colocam, como também do muito que ainda haverá para refletir e perceber nos próximos meses. Entre outros possíveis, alguns reais desafios desde já:

  • Em primeiro lugar as empresas vão ter que alinhar e sistematizar rápida e formalmente toda a sua realidade não financeira e as respetivas práticas, com modelos /estruturas (frameworks) de relato e de boas práticas de referência. Vão ter obrigatoriamente que adaptar com celeridade toda a sua organização, recursos humanos, processos “core”, sistemas de controlo interno, avaliação de desempenho, etc. Só com esta adaptação, que será bastante exigente, conseguirão produzir a informação desejada.
  • Qual a fronteira entre o que será relevante “divulgar” e “não divulgar”? O que será materialmente relevante? Seguramente, tudo aquilo que poderá condicionar a criação de valor e a consecução de objetivos estratégicos, o que obrigará certamente a uma reflexão interna, aprofundada, por parte destas empresas. Por exemplo, no caso específico do combate à corrupção, e dada a tolerância zero com que este fenómeno deve ser encarado, não será desde logo, por natureza, um aspeto “material” ? Faz todo o sentido que sim, pelo que deve haver um investimento sistemático por parte das organizações em boas práticas tendentes à mitigação da corrupção.
  • Que referências, que modelos ou em que boas práticas devem as organizações basear-se? A própria diretiva dá algumas sugestões, existindo a nível internacional excelentes referências nesta área, a saber: Global Reporting Initiative (GRI) com as atuais diretrizes G4, o guidance que tem vindo a ser desenvolvido pela ONU, o framework de relato integrado do International Integrated Reporting Council (IIRC), a ISO 26000 (Social Responsibility) e, especificamente no caso da corrupção, será ainda publicada em 2016 uma nova norma do International Organization for Standardization, a ISO 37001 (Anti-Bribery Management System).
  • Outro desafio será a integração formal desta vertente não financeira no relato das organizações. Concretamente, no que respeita ao tradicional relato financeiro anual, desde sempre obrigatório, conta com um historial regulamentar e de sistemas de normalização que facilitam e suportam adequadamente este relato. Já relativamente ao relato não financeiro em perspetiva, existem no momento diversos problemas ainda não resolvidos, sendo de destacar as questões a nível de reconhecimento, mensuração e relato. Comparativamente com o relato financeiro, o “não financeiro” está claramente na sua infância e com um período de tempo muito reduzido para crescer e adquirir a maturidade necessária à sua operacionalização (apenas o ano de 2016).
  • Um último desafio que gostaria de destacar é a questão do assurance da divulgação destas informações não financeiras, que, conforme já referido, irão assumir em breve um caráter obrigatório. Refere a diretiva que “Os revisores oficiais de contas e as sociedades de revisores oficiais de contas apenas deverão certificar-se de que a demonstração não financeira ou o relatório separado foi apresentado. Além disso, os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de requerer que as informações incluídas na demonstração não financeira ou no relatório separado sejam verificadas por um prestador de serviços independente.”

No meu entender, este último desafio enunciado e inerente missão, deveria ser repartido da seguinte forma:

Relativamente à fiscalização do respetivo cumprimento, em linha com o que refere a própria diretiva, deverão ser efetivamente os Revisores Oficiais de Contas a fazê-lo. Já no que respeita a uma função de avaliação e garantia da relevância e fiabilidade do conteúdo apresentado na componente não financeira do relato, quem poderá desempenhar melhor esta missão?

Aqui parece fazer mais sentido serem prestadores de serviços externos, independentes, especialistas em gestão de risco empresarial. Em primeiro lugar, numa ótica de proteção de valor, a gestão de risco tem de avaliar e abranger tudo aquilo o que possa afetar a criação de valor e a consecução dos objetivos estratégicos, componente financeira e não financeira; ou seja, perfeitamente em linha com a abordagem recomendada na diretiva. Em segundo lugar, a metodologia usada para definir os aspetos materiais não financeiros que deverão ser divulgados é muito próxima da metodologia de gestão de risco de acordo com os seus modelos de boas práticas internacionais (ISO 31000 e COSO). Ou seja, a vertente empresarial “não financeira” é algo com que a área de gestão de risco se sente confortável, que conhece bem e cujos profissionais desta área, naturalmente experientes e qualificados, estariam aptos a validar; ainda que existam áreas em que uma parceria com especialistas de outras áreas possa ser recomendável. Por exemplo, em virtude do fenómeno da corrupção representar um risco para as organizações verdadeiramente atípico, o especialista em gestão de risco deverá idealmente, nesta área específica, trabalhar em parceria com profissionais, especialistas no combate à fraude e corrupção.

Certamente, outros desafios podiam ser aqui enunciados. Creio, porém, que estes serão suficientes para tomar neste momento a consciência que, apenas cerca de um ano, será muito curto para as organizações abrangidas pela diretiva estarem em plena conformidade com a nova obrigatoriedade….. afinal é já para o início de 2017!