Óscar Afonso, Visão online,

 

A globalização não é necessariamente má e não creio que se possa pensar, ingenuamente, que pode ser evitada. Mas será que todos nós damos o mesmo significado objectivo à globalização?

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Com o objectivo de promover políticas informadas de incentivo ao crescimento e à estabilidade conjuntural, no pós 2ª Guerra Mundial, as economias de mercado passaram a considerar necessário quantificar a actividade económica. Foi nesse contexto que, em 1947, as Nações Unidas apresentaram um trabalho que conduziu à emergência das contabilidades nacionais. As actividades económicas não registadas passaram então a ter uma base objectiva de referência: seriam as não registadas na contabilidade nacional.

Porém, a controvérsia em torno do tema não assentou, devido: à ausência de consenso no que concerne à definição concreta de Economia não Registada (ENR), às suas causas, às suas consequências na economia oficial e aos métodos de estimação para a sua medida. A controvérsia ficou, contudo, balizada porque as actividades registadas passam pelo mercado. Por isso, o Autoconsumo, embora marginal e socialmente aceite, faz parte da ENR. Do mesmo modo que também se compreende a inclusão da Economia Informal, essencialmente associada a estratégias de sobrevivência, na ENR.

Os casos anteriores decorrem, portanto, da metodologia da contabilidade nacional. Mas a par desses casos, sobretudo depois dos anos 80 do século passado começam a surgir novas formas de ENR, na sequência da libertação dos mercados do controlo do Estado. A Economia Ilegal, à margem da lei na produção, na venda, na distribuição ou na posse, tornou-se o reflexo da criminalidade económica internacional. E a Economia Subterrânea emergiu com o incumprimento de obrigações fiscais e parafiscais e tem até canais oficiais de concretização. Estas novas modalidades são pois um derivado do capitalismo globalizado e hegemónico, assente no poder do sector financeiro, da bolsa e da livre circulação do capital, geralmente desligadas do processo produtivo e que transformam a apropriação de rendimentos, sem os produzir, numa das formas dominantes de enriquecimento. São o resultado do afastamento do Estado de várias áreas, reduzindo o seu papel e actuação, uma vez que a mobilidade acentuada do capital torna os países vulneráveis a mudanças nas expectativas, e inviabiliza políticas internas. Além disso, a privatização desordenada e o consequente desmantelamento do aparelho estatal foram retirando instrumentos e margem de manobra ao Estado. Acresce que a evolução decorrente foi marginalizando / excluíndo uma parte da população, que, para sobreviver, teve de optar pela Economia Informal; ou seja, acabou por potenciar esta parcela da ENR, que, com arte de alguns poderosos, passou (imagine-se!) a ser o foco do combate à ENR.

Não é portanto estranho que, desde o final dos anos 80, organismos internacionais como, por exemplo, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) tenham passado a estudar este assunto. Esses estudos culminam no ano de 2002 com a publicação de Measuring the Non-Observed Economy - A Handbook, ainda hoje uma referência do ponto de vista conceptual. Por outro lado e estranhamente, sendo a ENR uma metástase do cancro da nossa sociedade, conta com o apoio de Estados e de outras organizações internacionais, como o demonstram, entre outros, os “paraísos fiscais”, o “consenso de Washington” e o “Luxemburgo leaks”, usados para abrigar e justificar todo um elenco de medidas de política promovidas pelo Fundo Monetário Internacional e pela Organização Mundial do Comércio.

A globalização não é necessariamente má e não creio que se possa pensar, ingenuamente, que pode ser evitada. Penso, no entanto, que os Estados devem interferir no processo, devendo explicitar as prioridades desejadas para a sociedade e assim preparar a sua inserção na globalização de modo mais adequado à realidade do país. Penso pois que se devem encontrar formas de orientação e coordenação Estatais, assim como de parceria com a restante sociedade, que atenuem problemas e evitem outros. O Estado deve ser capaz de, pelo menos, garantir a inserção social da força de trabalho no processo produtivo, não deixar a moeda à mercê de interesses privados e intervir na relação entre o capital financeiro e o capital produtivo, de forma a evitar o predomínio da especulação e a não comprometer o processo produtivo. O tamanho e a eficácia do sector produtivo, assim como o nível de qualificação do trabalho, as instituições públicas, a investigação e desenvolvimento e o progresso científico são fundamentais para a competitividade e, parece-me, não é possível obter externalidades positivas sem o contributo de um Estado forte, com finanças saudáveis e financeiramente capaz.