Óscar Afonso, Público,
Quanto às contas públicas, refira-se que um défice orçamental tem de ser financiado por venda de activos, e/ou através do financiamento monetário (proibido na zona euro e tendencialmente inflacionista) e/ou através da emissão de dívida pública. Neste último caso, no entanto, há tendência para o aumento da taxa de juro da dívida pública que, se superar a taxa de crescimento do PIB, faz com que o seu peso no PIB aumente. Assim, se o défice orçamental for persistente e de dimensão significativa, mais cedo ou mais tarde, a situação tem de ser corrigida. Para o efeito, podem, como sucedeu, diminuir-se os gastos públicos, comprometendo a promoção da eficiência económica, da equidade, da estabilidade macroeconómica e do crescimento económico. Podem ainda aumentar-se impostos, via taxas, como sucedeu, ou via combate à economia paralela, já que sendo anualmente superior a 40 mil milhões de euros há uma parcela muito relevante de impostos que fica por cobrar.
Quanto às contas externas, a balança corrente corresponde à diferença entre a poupança da nação e o investimento. Um défice significa que o país está a viver “acima das possibilidades” e necessita de ser financiado (aumentando a dívida externa). Tal não pode perdurar no longo prazo, uma vez que, como aconteceu, as taxas de juro sobem e/ou o financiamento torna-se difícil. Assim, face à exigência dos mercados financeiros, algures no tempo o ajustamento torna-se, como naturalmente sucedeu, inevitável, remetendo para medidas promotoras do crescimento económico, do emprego, da melhoria da competitividade internacional, que, por sua vez, gera aumento das exportações; era esta a lógica das reformas estruturais. Alternativamente ou supletivamente, o ajustamento pode originar medidas de austeridade, que gerem redução do consumo (público e privado) e, dessa forma, das importações, como foi o caso.
Neste processo emergem muitas questões interrelacionadas. Entre as quais, podemos perguntar-nos como foi possível: registar défices correntes oficiais tão significativos e persistentes desde 1995; a existência de governos impávidos e serenos perante o descalabro observado na competitividade externa e no valor da dívida externa; atingir um endividamento tão elevado de todos os agentes económicos (indivíduos, empresas e Estado); não antecipar as dificuldades de financiamento nos mercados internacionais; conviver com a trajectória de crescimento da economia paralela. Em suma, como foi possível que a crise financeira internacional pós-2007 tivesse imediatamente gerado escassez de crédito e subida do seu preço, precipitando o pedido de ajuda externa.
Responder a estas questões exigiria uma crónica adicional. Por hoje, resta-nos referir que o programa de assistência apresentou três objectivos complementares: consolidação orçamental, desalavancagem e estabilidade financeira, e transformação estrutural da economia. O 1º objectivo originou políticas orçamentais e de rendimentos restritivas, o 2º acções de recapitalização dos bancos e alterações no enquadramento regulatório, e o 3º um programa de reformas estruturais. O ajustamento externo parece conseguido, já que pela primeira vez desde 1985 se observou superávite corrente em 2013 e 2014. A correcção do desequilíbrio das contas públicas tem sido bem mais difícil. A recessão produziu um aumento das despesas sociais e, juntamente com o aumento do peso da economia paralela, uma redução das receita fiscal. Apesar das medidas restritivas, os objectivos para o peso do défice público no PIB oficial foram sucessivamente alterados e o peso da dívida pública no PIB oficial continua elevado. O programa originou pois custos importantes no curto prazo, com uma profunda depressão da procura interna, uma forte quebra do PIB oficial e do investimento, e a coesão social evidenciou sinais de deterioração.
Apesar de tudo, Portugal acabou por ter “uma saída limpa” do processo e a hipótese de uma “espiral recessiva” parece afastada. Em vez da aposta no consumo e no investimento público; ou seja, no reduzido mercado interno, a aposta tem passado pela saúde financeira do Estado e pela iniciativa privada voltada para o mercado externo, na expectativa de que, desse modo, haja uma transformação da estrutura produtiva e crescimento económico sustentado. É certo que há que investir mais na qualificação dos recursos humanos, no empreendedorismo, na melhoria da qualidade das instituições, com a justiça à cabeça, e no combate à economia paralela. É ainda certo que a taxa de desemprego é significativa e há desigualdades gritantes. Mas, apesar de tudo, face à dimensão dos desequilíbrios as coisas poderiamter sido bem piores.