António João Maia, Visão on line,

 

A educação é provavelmente o factor-chave para o sucesso

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Os estudos criminológicos que procuram conhecer e caracterizar o fenómeno da corrupção (no âmbito da acção dos serviços públicos) e da fraude (no âmbito do acção das entidades privadas), dizem-nos que os actos que lhes correspondem dependem fundamentalmente da conjugação de duas ordens de factores. A vontade do agente, daquele que pratica o acto, e a oportunidade para o fazer, que se desenha no âmbito da sua acção.

A prática de um acto delituoso, de corrupção ou de fraude, é assim o resultado da conjugação daqueles dois elementos. É certo que o factor subjectivo (a vontade do agente) se sobrepõe ao factor objectivo (a oportunidade). Mas o delito necessitará sempre da presença de ambos. Por maiores que sejam os índices de motivação do agente para a prática de actos delituosos, ele apenas conseguirá alcançar os seus propósitos (retirar vantagens indevidas das suas funções) se para tanto se lhe depararem oportunidades cuja exploração esteja ao seu alcance. E uma boa oportunidade – no sentido que estamos a considerar – apenas permitirá uma prática delituosa na medida em que aquele que a conheça e possa explorar tiver uma vontade e um quadro de valores éticos e morais que lhe permita tomar essa opção. Importa acrescentar que esta via tende a ser potenciada quando o agente tem sentimentos de impunidade quanto à penalização sobre estas práticas.

Pelos efeitos negativos que se reconhecem estar associados a estes delitos – como sejam a redução da confiança social e o aumento dos custos e da ineficácia do funcionamento dos serviços públicos ou das entidades privadas –, as sociedades consideram que este tipo de práticas representa uma gravidade maior. Por isso, como é o caso de Portugal, prevêem nas suas leis penais a possibilidade de punição, com penas de prisão, para aqueles que de modo comprovado as pratiquem. A repressão é pois um mecanismo de controlo sobre estas ocorrências.

Todavia, pela sua natureza, a repressão – entendida como a aplicação das sanções penais aos infractores – ocorre necessariamente após a prática das acções delituosas. E, como sabemos – os estudos sobre estes fenómenos também evidenciam este elemento – estes delitos são caracterizados por uma dimensão considerável de cifras negras, o que significa que nem todas as práticas são detectadas nem punidas. Para os autores de actos não detectados, o sentimento de impunidade é uma realidade. Provavelmente voltarão a reincidir na prática de delitos semelhantes, se para tanto se lhes depararem novas oportunidades.

Por isso – por haver a percepção destes efeitos – as medidas de controlo alargam-se também para a vertente preventiva, na procura de estabelecer e adoptar estratégias que permitam evitar ou reduzir as margens de ocorrência de actos delituosos. Os mecanismos de controlo interno, as verificações, as auditorias ou as inspecções sobre a conformidade dos procedimentos, tanto no sector público como no privado, são justamente formas de prevenir e detectar incorrecções e actos delituosos deliberados, para lá de serem também mecanismos de avaliação da qualidade e da conformidade dos serviços prestados à comunidade ou aos clientes. A própria transparência, noção cada vez mais reclamada para uma adequada execução e acompanhamento dos procedimentos, é também, em si mesma, uma forma de prevenção e despiste de eventuais ocorrências delituosas no funcionamento das organizações públicas ou privadas.

Todos estes mecanismos de controlo com um carácter preventivo estão direccionados para o factor oportunidade. São instrumentos que os gestores, das entidades públicas ou privadas, podem – e devem! – utilizar para prevenir os riscos de ocorrência de práticas delituosas a que naturalmente as suas organizações se encontram expostas.

Relativamente a esta vertente, importa salientar que o OBEGEF tem como um dos seus principais propósitos o desenvolvimento de projectos que contribuam para ajudar as organizações, públicas e privadas, a conhecer os riscos de corrupção e de fraude a que se encontram expostas, e a desenhar e adoptar instrumentos preventivos que se mostrem mais adequado à sua realidade. A Pós-graduação em gestão de fraude (http://obegef.pt/wordpress/?page_id=1761), que tem sido organizada em parceria com a Faculdade de Economia da Universidade do Porto / Porto Business School, a par de outros projectos de investigação com recorte mais específicos (http://obegef.pt/wordpress/?page_id=1767), têm justamente esses propósitos e encontram-se disponíveis para as entidades que neles possam ver utilidade.

Mas, a finalizar, subsiste ainda o factor subjectivo. A vontade de agente. Quanto a ele, questionar-se-á se é possível e admissível a adopção de medidas preventivas? A resposta é claramente positiva. A prevenção a este nível joga-se sobretudo ao nível da educação para os valores da cidadania.

A educação é provavelmente o factor-chave para o sucesso do futuro de uma qualquer sociedade. Para lá de ser um factor com potencial para prevenir a ocorrência de actos de corrupção e de fraudes nas gerações futuras, um sistema de educação forte – não no sentido impositivo do termo, mas mais no sentido de convicção na acção e nos projectos educativos – tem o potencial para gerar maiores índices de coesão e confiança social em torno dos valores éticos e morais partilhados pelos cidadãos, com todos os efeitos positivos que daí possam advir.

É que a interiorização consolidada desses valores pode ser o elemento inibidor sobre a vontade e a disponibilidade de cada sujeito para a opção por actos de corrupção e fraude, ainda que perante a melhor das oportunidades.

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