Orlando Mascarenhas, OBEGEF
Portugal deu um passo importantíssimo nesta matéria da recuperação de ativos de atividades criminosas.
Porque o artigo publicado esta semana na revista Visão na rubrica “Silêncio na Fraude” é sobre a recuperação de ativos de bens e vantagens de crime, cuja foco de atenção, para o biénio 2015-2017, no âmbito dos objetivos, prioridades e orientações de política criminal, é prioritário, optei por publicar na rubrica desta semana no sítio do OBEGEF algo que já escrevi em fevereiro de 2014 e que nessa altura foi também publicado na mesma rubrica da revista Visão. Os artigos complementam-se. O que resulta da leitura de ambos, parece-me ser bastante mais esclarecedor e abrangente. A relevância do assunto e a importância que em termos de política criminal é dada à matéria, reforçam a minha opção
A recuperação de ativos é um elemento chave no combate e na punição à criminalidade, em particular à criminalidade organizada e a toda aquela que possui uma componente económico-financeira no seu fim, isto é, que visa o lucro. Segundo indicadores internacionais, 70% do total da criminalidade é aquisitiva, ou seja, a grande maioria dos casos investigados pelo aparelho securitário do Estado possui um denominador comum – um motivo financeiro para a prática do crime. A redução deste tipo de criminalidade tem vindo a tornar-se prioritária para qualquer país.
Numa abordagem global, de acordo com estimativas das Nações Unidas, o total das quantias das vantagens (lucro) no ano de 2009, por parte do crime organizado, foi de aproximadamente 2.1 triliões de dólares americanos ou 3.6 do Produto Interno Bruto global desse mesmo ano.
No início da década de 90 do século passado, em Itália, um juiz, Giovanni Falcone, iniciou uma nova abordagem no combate à criminalidade organizada. As atividades económicas e financeiras de um grupo de criminosos, naquele caso da mafia italiana, foram alvo de investigação. A justiça conseguiu diminuir significativamente essas atividades, incluindo-se o branqueamento de capitais.
Nos dias de hoje é consensual a importância da utilização de instrumentos mais adequados e mais eficazes, quer legais quer de metodologias de investigação, no combate à criminalidade organizada, ou melhor ainda, no combate à componente económico-financeira da criminalidade. Os ativos (bens, instrumentos, vantagens) provenientes de algumas formas de criminalidade, são facilmente escondidos e “lavados” por todo o mundo, tornando as investigações patrimoniais e financeiras cada vez mais difíceis.
Segundo a análise de alguns especialistas, a atividade de branqueamento das vantagens provenientes das atividades criminosas, tornou-se extremamente fácil e rápida, com os criminosos a serem capazes de fazer circular o dinheiro anonimamente de uma forma massiva e à escala internacional. Acresce o facto de, através da facilidade de comunicação global, via internet, um enorme conjunto de serviços, tal como a criação de empresas ou registar um negócio em nome de outros, se encontrar cada vez mais acessível. A agravar esta situação, a séria e extensa crise económica e financeira atual, tornou muito mais fácil, para quem desenvolve as práticas criminais, a introdução das vantagens do crime nos mercados lícitos.
Destituir os criminosos dos seus elevados lucros provenientes do crime, tornou-se uma prioridade fundamental.
Portugal deu um passo importantíssimo nesta matéria da recuperação de ativos provenientes de atividades criminosas. Seguindo as orientações europeias, foi criado o Gabinete de Recuperação de Ativos que tem como missão, identificar, detetar e apreender, bens, instrumentos, produtos e vantagens relacionados com crimes, quer a nível nacional quer internacional.
Seguindo uma lógica multidisciplinar na composição dos quadros que integram e colaboram com este organismo, o Gabinete de Recuperação de Ativos começou já, de forma assertiva, a identificar, localizar e apreender, ativos relacionados com a prática de crimes.
A reação penal tem estado centrada na sanção a aplicar a quem pratica o ato criminal. Sendo certo que esta estrutura de pensamento, aquando da abordagem do fenómeno criminal, é aquela que ainda se mantém, é fundamental, para que o crime não compense, privar o agente do crime do produto ou vantagem, direto ou indireto, dele adveniente, bem como dos seus frutos. Tal situação só será possível com o instrumento da recuperação de ativos.
Certamente estamos ainda no início, há um longo caminho a percorrer, mas não podemos esquecer o provérbio oriental que nos ensina que, “uma jornada de milhares de quilómetros começa com um pequeno passo”.