Aurora Teixeira, Visão on line,

 

A Grécia precisa de mais do que ajuda financeira,

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Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.” (José Saramago, Ensaio sobre a cegueira)

Em 2012, o então correspondente do The Wall Street Journal, James Angelos, documentava o caso da ilha de Zakynthos (ou Zaquintos), localizada na região insular da Grécia. Zaquintos, famigerada por possuir uma das praias mais belas do mundo, a Praia do Naufrágio, tornou-se, a partir de 2012, um símbolo da corrupção generalizada observada na Grécia, passando a ser designada, de forma trocista, por ‘Ilha dos Cegos’.

Dos quase 40000 habitantes da infame ilha, 1.8% beneficiava de seguro de previdência para invalidez por cegueira, uma percentagem cerca de nove vezes superior à incidência de cegueira estimada para muitos países europeus. James Angelos descobriu o esquema para defraudar o ministério da saúde que se estendia do único oftalmologista do único hospital público ao ex-autarca que assinava os pagamentos - um dos muitos esquemas fraudulentos que custa(ra)m ao erário público grego milhões de euros.

Certamente é difícil exagerar a influência da Grécia (antiga) no desenvolvimento da civilização ocidental. Muitas das contribuições da Grécia antiga persistiram praticamente inalteradas na era moderna e muitas áreas tão diversas como a política, a literatura ou a arquitectura seriam praticamente irreconhecíveis sem a influência grega. O poeta inglês Percy Bysshe Shelley (1792 - 1822) reconheceu explicitamente esse legado quando afirmou “We are all Greeks. Our laws, our literature, our religion, our arts, have their root in Greece.”1

Infelizmente, um passado glorioso é manchado com um presente obscuro.

Após a entrada na Zona Euro, em 2001, a Grécia, tal como outros países da UE entre os quais Portugal, foi inundada de empréstimos baratos de bancos europeus. No entanto, o sobrecarregado sistema de nepotismo e clientelismo, a fraude fiscal endémica e a corrupção generalizada sorviam o erário público. A própria adesão ao euro teve contornos fraudulentos. Em 2004, o então ministro das Finanças, George Alogoskoufis, admitiu que a verdadeira dimensão do défice orçamental da Grécia havia sido maciçamente subestimada permitindo à Grécia qualificar-se para a moeda única. Quando a crise financeira global rebentou em 2009 e a era dos empréstimos baratos cessou, o país apresentava uma dívida de 300 mil milhões de euros.

Três entidades - Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu, a ‘Troika’ -, acordaram, em maio de 2010, num resgate à Grécia de 100 mil milhões de euros, a que se seguiu um segundo resgate, em março de 2012, de 130 mil milhões de euros. Na eminência de um 3º resgate, a Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional estão a ultimar as condições que a Grécia deve cumprir para aceder a um novo programa de três anos, que deverá ascender a mais de 80 mil milhões de euros.

Apesar de toda a ‘ajuda’ externa, o desempenho económico do país não melhorou e a situação social deteriorou-se substancialmente. Para a maioria dos gregos (e não só), no entanto, a culpa não recai sobre si, mas sobre os seus credores.

O pior cego é aquele que não quer ver…

A omnipresença da evasão fiscal e a persistente falta de vontade do governo para a combater constitui, mais do que qualquer outro factor, a causa do declínio económico da Grécia – um estudo da Comissão Europeia estimou que o montante de impostos não cobrados sobre o consumo ascende, na Grécia, em média, a 10-12 mil milhões de euros por ano. A alegada corrupção entre os políticos só reforça a convicção dos gregos que a fuga aos impostos no seu dia-a-dia não é um crime grave e, pouco ou nenhum estigma está associado a ser apanhado, ao contrário do que se passa em outros países europeus.

Assim, para a Grécia ser uma entidade sustentável, precisa de mais do que ajuda financeira, precisa de construir mais confiança nas instituições políticas sob pena de ficar à deriva como uma Jangada de Pedra…

 

Notas:
1 “Nós somos todos gregos. As nossas leis, a nossa literatura, a nossa religião, as nossas artes têm a sua raiz na Grécia”.