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E isto só aconteceu, note-se, por denúncia...
Talvez apenas Cruzeiro Seixas ou até mesmo Salvador Dali teriam capacidade para desvendar o título surrealista desta crónica.
Porque há situações no nosso extraordinário quotidiano que, sinceramente, parecem escapar à compreensão de um comum mortal.
Ou não…
Vejamos o caso do Metro do Mondego (MM).
Em 1996 constituiu-se a sociedade MM, com o ambicioso programa de edificar e implementar um metro de superfície que servisse a cidade de Coimbra, ligando-a em forte capilaridade a alguns municípios próximos.
Não queremos, neste artigo, analisar as motivações desta decisão, nem o facto de se terem gasto até hoje muitos milhões de euros (o Tribunal de Contas arrasou a gestão da sociedade em 2011, quando se deparou com uma “derrapagem” nos custos que quadruplicou o investimento previsto de 113 milhões de euros para 512 milhões de euros!) numa obra que… se andou um metro já foi bom!
Seria até uma crónica interessante, mas dificilmente sustentável que não em suposições. Acresce que em 2010 o Governo, a propósito do PEC3 (Plano de Estabilidade e Crescimento) de então, suspendeu sine die as empreitadas em curso. E já em 2011, anunciou a extinção da empresa. Pasme-se todavia: em 2013 a MM tinha ainda custos anuais com remunerações na casa dos 500.000 euros!
Mas se deste maná de possíveis assuntos para crónica nenhum foi o particularmente escolhido para hoje, e ainda a propósito da MM, o que sobrará?!
Pois…
Seis ex-administradores da sociedade, dois deles ex-presidentes e quatro ex-vogais, são arguidos em processos-crime, que correm termos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra, sob suspeita de praticarem os crimes de administração danosa, peculato e participação económica em negócio, no período de 2004 a 2010.
Já aqui neste espaço foram discutidas situações que preenchem na perfeição a tipicidade de algumas das fraudes que convencionalmente se enquadram na categoria de Apropriação Indevida de Ativos, da Árvore da Fraude (navegar em www.gestaodefraude.eu para mais informação).
A utilização de ativos da empresa onde se trabalha, em benefício próprio, pode revestir-se de muitas peles. E há situações de menor ou maior censura social.
Este caso é no mínimo… surreal.
Num Metro que quase não saiu do sítio… pareceu oportuno a estes indivíduos gastarem mais de 100.000 euros em despesas pessoais, utilizando o cartão de crédito que lhes teria sido atribuído… por eles próprios.
Recordo que a MM é uma empresa pública.
A Polícia Judiciária refere mesmo ter verificado o “uso despudorado” dos cartões.
Jogos de computador, perfumes, artigos de decoração, estadias em hotéis, compras no supermercado, vinho, material de surf, festas infantis… e até 139 euros no bar de striptease Elefante Branco, em Lisboa.
Houve quem, inclusivamente, tivesse feito levantamentos no valor de 17.000 euros, em regime de cash-advance, provocando ainda custos suplementares…
É caso para dizer “Fartar vilanagem!”
As despesas com os cartões terão ocorrido entre 2004 e 2006. Muito mais tarde, e apenas de forma parcial, os valores foram devolvidos pelos ora arguidos. O que não faz elidir a responsabilidade criminal. Nem a civil, no remanescente.
A devolução só aconteceu porque, anos mais tarde, o departamento financeiro da MM requereu isso mesmo aos já então ex-administradores, dado que os repetidos alertas internos à data das despesas foram ignorados pela administração. Pudera! Se eram os próprios que punham e dispunham!
Sucede que, em paralelo, terão sido feitos em 2010 dois estudos por ajuste direto a duas empresas privadas, com aparente igual finalidade, num total de 115 mil euros, que assim terá sido sobrefaturado à MM, em benefício de quem… não se sabe. Ainda…
Porque o apuramento desta responsabilidade corre também termos no mesmo processo, onde são acusados do crime de participação económica.
E isto só aconteceu, note-se, por denúncia. É sempre a maior fonte de deteção de fraude. Aqui, na Europa e nos Estados Unidos da América. Foi a sociedade civil que, mantendo-se alerta, conseguiu a informação e a participou ao Ministério Público.
É mais um exemplo de que haverá sempre quem abuse. Mas haverá sempre outros que se manterão alerta. Resignar não é opção. Olhar para o lado também não.
Cumpramos o nosso papel.