, Visão on line,

Em cada um de nós está sempre uma vítima da vida

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Fala-se por aí do consumismo. Nas conversas de café, todos afirmam à boca cheia que é uma coisa má, algo quase vergonhoso. “Compra-se tanta coisa desnecessária.” é frase comum, banal.

Fala-se por aí do consumismo e dos valores morais da juventude, que já não são o que eram, que estas novas gerações parece que nasceram do anti-cristo, que só querem coisas e mais coisas, sem se quererem esforçar para nada. “Parece que não dão valor a nada.” é outra frase comum, banal.

Fala-se para aí do consumismo, dos valores morais da juventude, das pessoas que não querem trabalhar e que é por isso que há tanto desemprego, porque há sempre trabalho para quem quer trabalhar, mesmo que as máquinas e os computadores já façam quase tudo e os salários ‘desse pessoal’ sejam agora mais baixos, quando há salário de todo. “É só malandragem, não querem é fazer nenhum.”, outra frase comum, banal.

Fala-se para aí do consumismo, dos valores morais da juventude, das pessoas que não querem trabalhar, e dos outros, daqueles ‘malandros’ que têm bons empregos, ordenados ou pensões. São sempre os ‘outros’, claro está, porque em cada um de nós está sempre uma vítima da vida, incapacitada de desencadear todo o seu potencial por uma estranha combinação de injustiças e falta de oportunidades a que os ‘outros’ tiveram, todos, acesso. “Como é que aquele gajo ganha aquilo?!”, mais uma frase comum, banal.

Fala-se disto e de muito mais. E as palavras não correspondem aos gestos, dando-me a impressão de viver num teatro de marionetes cujos operadores sofrem de Alzheimer combinado com cleptomania e distúrbio de personalidade múltipla.

E eu observo e calo-me, bebo a minha bica, e rio-me para dentro com tudo isto e o mais de que se fala por aí, lembrando-me, banalmente, que tudo isto é, na realidade, falta do que falar.