Orlando Mascarenhas, OBEGEF

As redes de crime organizado começaram a participar no processo político, nomeadamente, através do financiamento de campanhas, - muito desse financiamento é efetuado em dinheiro - que lhes permite assegurar a produção de leis, e com estas, chegar ainda a maiores lucros.

Desde há cerca de 20 anos que as mudanças nas práticas investigatórias de âmbito criminal têm vindo a desafiar a soberania dos Estados-nação, em particular, a resposta da polícia no combate às redes de crime organizado transfronteiriço, que, inevitavelmente, envolve a criação de redes policiais também transfronteiriças, desafiando as estruturas legais existentes na área da admissibilidade de provas, e criando uma demanda por poderes policiais extraterritoriais.

Igualmente, neste mesmo período temporal, de uma forma cada vez mais acutilante, as redes de crime organizado começaram a participar no processo político, nomeadamente, através do financiamento de campanhas, - muito desse financiamento é efetuado em dinheiro - que lhes permite assegurar a produção de leis, e com estas, chegar ainda a maiores lucros.

As abordagens convencionais para o branqueamento de capitais, têm-se preocupado, principalmente, com o uso de instituições financeiras na transformação dos produtos e vantagens do crime em dinheiro ou outros ativos, legítimo, focando-se nas complicadas transações para ocultar ou dissimular a verdadeira origem, identidade ou destino desses mesmos produtos ou vantagens do crime.

Acompanhando as mudanças nas práticas investigatórias, é urgente que se passe a olhar para o “branqueamento reverso”, em que, fundos legítimos são retirados do sistema financeiro, para serem usados no crime, tendo como exemplo paradigmático o terrorismo, mas também em outros, tais como a evasão fiscal e a corrupção.

As transações em numerário formam as bases de atividades ilegais orientadas para o mercado.

O dinheiro é a fonte mais direta de fundos de crimes que visam fundamentalmente a obtenção de um benefício económico, tais como o tráfico de droga, rapto, extorsão, contrabando, tráfico de armas e tráfico de pessoas. Ao mesmo tempo, o dinheiro, é também uma fonte direta de benefícios económicos de outros crimes graves, como a corrupção. O dinheiro desempenha um papel fundamental no fomento do crime, devido à sua liquidez e forma anónima de transação.

Na Europa Ocidental e na América do Norte, têm sido defendidas medidas de limitação de uso do dinheiro nos mercados, potenciando-se uma sociedade sem dinheiro, para evitar crimes associados aos pagamentos com dinheiro. Um relatório da OCDE afirma, por exemplo, que quanto mais cedo o mundo mudar para uma economia sem dinheiro, melhor segurança pública e segurança nacional poderá ser alcançada.

As reformas que apoiam um sistema sem dinheiro iniciaram-se já na União Europeia. Em França, os residentes fiscais, não podem realizar transações em dinheiro superiores a 1.000 euros por compra, tendo a Itália adotado medidas semelhantes para limitar as transações em numerário. Na União Europeia, as transações em numerário efetuam-se numa média de 9% e nos Estados Unidos da América as mesmas ocorrem numa média de 7%. Contudo, na União Europeia, existem já países, tais como a Suécia, que as transações em dinheiro são apenas 3% do valor total de transações.

Nos esquemas de branqueamento com uma trajetória convencional, os produtos do crime são divididos em quantias menores, menos visíveis, e são depositados numa conta bancária, ou, através da compra de uma série de instrumentos monetários e financeiros, são recolhidos e depositados em outras contas bancárias em outros locais. O dinheiro “sujo” é colocado através de um ciclo de operações, é “lavado”, e é transformado em dinheiro legal quando sai na outra extremidade.

O “branqueamento reverso” é o termo usado para se referir à utilização do dinheiro “limpo”, isto é, dinheiro que não resulta da prática de crimes mas sim de atividades lícitas, em que o branqueamento deste dinheiro é muitas vezes efetuado para fins de financiamento de terrorismo, mas também para a evasão fiscal ou para pagar subornos em atos de corrupção.

Processa-se, quando os lucros legítimos são retirados do aparelho financeiro, através de esquemas de transações e investimentos fictícios, empresas de fachada, transferências eletrónicas para paraísos fiscais, e todos os outros processos também utilizados no branqueamento convencional, para efetuar um acumular de dinheiro não contabilizado e não controlado pelas instâncias fiscalizadoras, sendo depois esse mesmo dinheiro usado no crime, financiando o terrorismo, comprando armas,  traficando drogas e pessoas, pagando subornos em atos de corrupção.

Investigar e combater estes fenómenos, obriga a um esforço de complementaridade transfronteiriça cada vez maior, que nos próximos 20 anos irá com toda a certeza provocar profundas mudanças nas políticas geoestratégicas dos Estados-nação.