Aurora Teixeira, Visão on line,

uma tendência preocupante que se assiste ao nível da educação das crianças e jovens.

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Nós nunca nos realizamos. Somos dois abismos - um poço fitando o céu.”
(Fernando Pessoa)

 Bhiar é o mais jovem e um dos mais populosos estados da Índia, com cerca de 104 milhões de habitantes (quase 60% com menos de 25 anos).

Muito distantes estão os tempos em que Bhiar era considerado um centro de poder, aprendizagem e cultura – as universidades de Nālandā e Vikramaśīla, criadas nos séculos V e VI, respectivamente, constam entre as mais antigas universidades internacionais do império Pala (poder imperial budista na Índia clássica). De facto, desde os anos 70 do século passado que Bihar tem divergido dos outros estados indianos em termos económicos e sociais.

Não obstante o manifesto atraso (é o estado com menor produto per capita), os pais de Bihar dão uma enorme importância à educação dos filhos, vislumbrando o respectivo desempenho escolar como uma forma de ascensão económica e social e (quase única) escapatória a uma vida dura, ligada à agricultura ou aos serviços de baixo valor acrescentado.

Recentemente, uma notícia do jornal britânico The Independent 1trouxe Bhiar para a ribalta pelos piores motivos. A notícia documentava e mostrava um filme onde se poderia assistir a pais e familiares de estudantes a escalarem um edifício de 5 andares, onde decorriam exames finais do ensino secundário, para entregar (pelas janelas) aos filhos… copianços!

Este caricato e triste episódio de Bihar espelha, infelizmente, uma tendência preocupante que se assiste ao nível da educação das crianças e jovens. Um estudo recente,2 que inquiriu os professores de 124 turmas do ensino básico no distrito de Kütahya (Turquia), evidencia que quase 80% dos pais estão apenas interessados nas classificações e bons desempenhos escolares dos seus filhos, estando pouco receptivos a debater e a interagir com os professores/ escola os aspetos negativos referentes ao comportamento dos mesmos. Se replicado em Portugal, possivelmente os resultados não seriam muito distintos. Basicamente, o que parece ser prioritário para os pais é que os filhos tenham boas classificações escolares, não importa como nem o que aprenderam…

É natural que os pais se associem e organizem primeiramente para proteger e cuidar dos seus filhos, sendo isso um aspeto importante para a evolução da espécie humana! Não obstante, hoje em dia alguns/muitos (?) pais parecem levar esta prioridade longe demais (como o incidente de Bihar deixa transparecer), subalternizando completamente suas próprias necessidades e saúde mental ao ‘bem-estar’ e às supostas ‘aspirações’ dos seus filhos.

Tal opção parental tenderá a contribuir para a formação de adultos egoístas, impacientes e rudes, carecendo das mais elementares bases de integridade académica (mas não só). Objetivamente, não será culpa deles (dos filhos) - será nossa (dos pais). Queremos evitar, a todo o custo, que sintam o desconforto da falha, do insucesso e, com isso, quando inevitavelmente forem confrontados com a falha e o insucesso estarão lamentavelmente impreparados para lidar com a situação. Nestas circunstâncias, o recurso a ‘atalhos’, eticamente discutíveis mas familiar e socialmente tolerados, tenderá a vulgarizar-se sobretudo quando o resultado for materialmente compensador…

Precisamos, por isso, de pais de exijam mais aos seus filhos, que esperem mais deles, que dêem menos.

 

 

Notas:
1 In http://www.independent.co.uk/news/world/asia/parents-risk-lives-climbing-exam-buildings-to-help-hundreds-of-indian-students-cheat-10120933.html.
2Barriers preventing parents from receiving educational feedbacks about their children according to classroom teachers: A city sample of Kutahya”, por Ozel, A., Bayindir, N., Ozel, E., in Anthropologist, 17 (1), pp. 183-189, 2014.