Manuel Nogueira, Visão on line,

Qual o papel da sociedade civil no combate à corrupção?

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A corrupção é um fenómeno que infelizmente não é exclusivo de Portugal. Com a intensificação que assistimos nas ultimas décadas da globalização, o problema passou a ser transnacional. É hoje amplamente aceite pela comunidade internacional que a corrupção e o consequente enriquecimento ilícito que esta provoca, contribui fortemente para o aumento da pobreza e o agravamento da desigualdade social.

O combate à corrupção através da sua prevenção, criminalização, melhoria da cooperação internacional e recuperação de ativos, deve ser uma preocupação de um Estado de Direito, sob pena de o colocar em causa.

Em 9 de dezembro de 2003, Portugal e muitos outros países, assinaram a denominada “Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção”. Neste documento (assunto que esteve vários anos a ser estudado por uma comissão especializada), a corrupção e o enriquecimento ilícito em todas as suas vertentes, são descritos de forma bastante esclarecedora, bem como os efeitos nocivos que tais práticas provocam.

Em 2007, já quando muitos países signatários desta Convenção tinham adotado nos seus ordenamentos jurídicos a criminalização do enriquecimento ilícito, em Portugal começou-se a falar deste assunto. Por razões claramente injustificadas e de difícil compreensão para a grande maioria dos portugueses, continuamos durante estes anos todos a assistir ao adiamento da real criminalização deste flagelo. De vez em quando surgia uma notícia desgarrada sobre o assunto, mas que não passava disso.

Mais uma vez, nestes últimos dias volta-se a falar do enriquecimento ilícito ou injustificado, agora com a promessa de que até ao final da atual legislatura será aprovada na especialidade tal criminalização. Vamos acreditar que será finalmente desta vez (mais vale tarde do que nunca), que este crime ficará tipificado, sendo sem dúvida um passo decisivo no combate à corrupção.

Mas o que ainda não ouvi falar, foi das medidas que serão adotadas para a prevenção da corrupção. Não basta criminalizar o enriquecimento ilícito, o que por si só já é positivo, mas é também necessário criar reais medidas que sejam eficazes na prevenção da corrupção. Algumas medidas até já existem, como seja o caso dos titulares de cargos políticos e equiparados e os titulares de altos cargos públicos terem de apresentar no Tribunal Constitucional declarações dos seus rendimentos e do seu património, mas na prática esta medida tem-se revelado insuficiente e nem sempre é cumprida. Precisamos assim que sejam criadas medidas eficazes na prevenção da corrupção, pois para todos nós melhor do que encontrar criminosos é prevenir a ocorrência da corrupção.

Outro aspeto importante que refere a “Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção” é que a corrupção e o consequente enriquecimento ilícito, não pode ser vencido exclusivamente pelos governos. Tem de existir uma eficaz articulação entre estes, a sociedade civil e as organizações não-governamentais nas ações de prevenção e de combate. Os países signatários desta Convenção comprometem-se a aumentar a transparência, promover a participação dos cidadãos nos processos decisórios, realizar atividades de informação pública e programas de educação pública. Mais uma vez fico expectante no que a este aspeto vai ser feito. Qual vai ser o papel da sociedade civil em todo este processo, que atividades de informação pública e programas de educação pública vão ser levados a cabo? Provavelmente nenhuns. Alguém se está a esquecer que a prevenção da corrupção pode também começar com estas iniciativas.