António João Maia, Visão on line,

Continuaremos a assistir a um desfilar de suspeições tornadas públicas

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Como mostrámos na reflexão Dever de informar e segredo de justiça – um conflito de interesses (http://www.ionline.pt/iopiniao/dever-informar-segredo-justica-conflito-interesses/pag/-1) a questão da violação do segredo de justiça tende a suscitar-se sempre que na praça pública se mediatizam suspeições de práticas delituosas, em regra associadas a corrupção e quando envolvem destacadas figuras da vida política e social portuguesa.

A violação do segredo de justiça ocorre sempre que os elementos apurados no âmbito dos procedimentos criminais alimentam as notícias que são divulgadas acerca das suspeições e dos factos que neles se investigam.

O segredo de justiça está previsto na lei e decorre sobretudo de duas ordens de fatores: a salvaguarda da presunção de inocência que é devida ao suspeito e também o resguardo da estratégia da investigação criminal e da preservação dos meios de prova.

Como o procedimento criminal visa, numa primeira fase – no Inquérito –, o esclarecimento formal das situações suspeitas, acaba por ser de certa forma natural que as informações que alimentam as notícias e que mediatizam o caso possam ter origem junto daqueles que, por dever de ofício, realizam as investigações ou que de alguma forma tenham contacto com o procedimento criminal.

Neste contexto não pode deixar de se considerar natural que, pelas mais variadas razões, as informações acabem por chegar aos jornalistas, e que estes, na sua posse e a coberto da preservação das fontes – princípio com o qual concordamos inteiramente, uma vez que é uma das formas de assegurar a liberdade de imprensa – produzam e divulguem as notícias que diariamente vamos lendo e ouvindo na comunicação social.

Nesta dinâmica não é de estranhar que os inúmeros procedimentos criminais que são instaurados a propósito da violação do segredo de justiça terminem arquivados. Em regra eles não permitem a recolha de provas da sua ocorrência nem de quem sejam os seus autores, justamente pela invocação da preservação da identidade das fontes.

Todavia, em si mesmo, este estado de coisas pode ser perverso, sobretudo nos casos em que as suspeições não sejam mais do que isso mesmo. Quando as investigações não permitem a recolha de elementos que confirmem as suspeições que envolvem nomes de figuras destacadas, ou quando os elementos colhidos no Inquérito explicam cabalmente os factos e lhes retiram essas sombras de suspeição, sobram inevitavelmente os efeitos de uma condenação na praça pública, de uma censura social sobre os envolvidos, como vimos em Corrupção política em Portugal – dez milhões de vítimas (http://visao.sapo.pt/corrupcao-politica-em-portugal-dez-milhoes-de-vitimas=f665032)

E, nestes casos, como procede o Estado para reparar a imagem social dos visados? De que mecanismos dispõe para o fazer? Estas são algumas das questões que se suscitam e acerca das quais importa fazer uma reflexão profunda.

Enquanto nada for alterado, continuaremos a assistir a um desfilar de suspeições tornadas públicas e à produção de juízos de censura social, como uma espécie de rolo que deixa a sua marca impressiva, um rótulo que fica associado às pessoas visadas e que dificilmente se apagará.

Entendemos que este estado de coisas, que é também comum a outros países, na realidade não aproveita a ninguém. Os visados, como se vê, ficam prejudicados por adquirirem rótulos que os expõem negativamente e com os quais têm de passar a conviver. A Justiça por deixar no ar a perceção de alguma incapacidade para tratar adequadamente este tipo de situações, designadamente de ser incapaz de julgar e condenar aqueles que, aos olhos dos cidadãos e por força do discurso mediático a que foram submetidos, passam a ser culpados dos factos sob suspeição.

Importa que no âmbito dos procedimentos criminais sejam encontradas formas institucionais adequadas, que salvaguardem os interesses e os direitos processuais dos suspeitos e que não coloquem em causa o curso natural dos procedimentos. Que contribuam para a redução das margens de especulação e para o esclarecimento dos cidadãos na medida do admissível.

A produção e divulgação de comunicados oficiais sobre as investigações, a sua natureza e os seus propósitos pode ser um modelo que contribua para alcançar esses propósitos.