Carlos Pimenta, OBEGEF
A maior importância económica do sector financeiro no capitalismo contemporâneo catapultou para primeiro plano a usura
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1. À palavra usura associamos espontaneamente a nossa reprovação. Lembramos taxas muito elevadas, condenadas secularmente por filósofos e religiosos. Associamo-la às relações sociais anteriores à Revolução Industrial do século XVIII. Recordamos a Inquisição e a perseguição aos judeus. Associamos usura a elevadas taxas de juro, a um crédito abusivo.Contudo usura e créditos são realidades sociais, e económicas, diferentes. Em ambos há um empréstimo monetário, a obrigatoriedade de o pagar e um custo pela cedência temporária desse montante, mas o crédito é uma relação entre capitalistas, que usam esse empréstimo para aumentar o produto, para criar novo rendimento. Foi para facilitar essa relação entre proprietários de moeda entesourada e os que precisam dela para produzir que os bancos se constituíram como pilares facilitadores da actividade económica. Entretanto a usura continuou a ser uma relação entre cidadãos, como o tinha sido ao longo dos séculos, um empréstimo que só acidental ou indirectamente estaria associado à actividade produtiva, à criação de rendimento novo.Utilizando um jargão aproximado, o crédito é um empréstimo para produzir e a usura é um empréstimo para consumir.Em ambos os casos estamos perante um movimento circular do dinheiro, mas a usura está desinserida da criação de valor novo na sociedade. Um empréstimo ao consumo pode estimular as actividades produtivas, via procura agregada, mas não são essas as relações sociais a que está associada.2. Há uma grande diferença entre ambos. No crédito a taxa de juro está condicionada pela taxa de lucro. Não é possível, de uma forma global, duradoira e sistemática, praticar taxas de juros que absorvam ou ultrapassem a taxa de lucro. No caso da usura não há nenhum limite económico às taxas de juro praticadas, as quais estão, quando muito, reguladas pela legislação em vigor. Por outras palavras, enquanto o mercado de crédito tem mecanismos automáticos de funcionamento, o mercado de usura não o tem. Afirmarmos que ambos são mercados não nos permite deduzir que ambos têm as mesmas leis internas de funcionamento, que têm uma âncora à relação entre oferta e procura.3. Após a Revolução Industrial admitiu-se que, no capitalismo nascente, a usura seria uma forma de empréstimo pertencente ao passado, que existiria subsidiariamente, subordinada às regras de jogo do crédito. A taxa da usura acabaria por ser determinada pelo funcionamento da taxa do crédito. E assim foi enquanto as actividades produtivas foram economicamente mais importantes que as actividades financeiras, mas não o estão a ser nas últimas décadas.
A maior importância económica do sector financeiro no capitalismo contemporâneo catapultou para primeiro plano a usura. Esta passou a assumir novas formas (desde o tradicional empréstimo ao consumo ao apoio financeiro aos Estados, dos fundos de pensões às compras e vendas bolsistas totalmente desligadas de novas actividades produtivas) e tende a assumir a hegemonia nos mercados de empréstimos.
Estes deixaram de estar condicionados por leis objectivas do funcionamento da economia: a subordinação da taxa de juro à taxa de lucro. O seu controlo tem de passar por legislação e regulação definidas pelas estruturas políticas.
Se o controlo político não existe, ou subordina-se ao poder do capital financeiro, este transforma-se, pela lógica do lucro individual, no predador da riqueza alheia.
Em vez de ser um elo da criação de valor novo é um apropriador da riqueza preexistente.