Carlos Pimenta, crónica para o Jornal i, não publicada
1. “Fraude, a hidra” foi a nossa primeira crónica, há dois anos. Desde então temos empenhado gratuitamente o nosso saber na elevação da cidadania e da ética, através de um esclarecimento do complexo contexto de fraude e corrupção na sociedade globalizada das últimas décadas. Reconhecemos a importância da notícia e da informação sobre o acontecimento numa sociedade democrática, mas a nossa postura foi optar por uma leitura mais completa, enquadradora e interpretativa de factos que aparentam ser individuais e quais acidentais, mas que são sistémicos, partes de um processo que se espraia por múltiplas dimensões das relações humanas: individual e social, institucional e política, ideológica e simbólica, organizacional e ética. Esperamos que tenhamos conseguido transmitir ao leitor essas nossas preocupações.
2. Se a fraude e a corrupção são velhas como as civilizações, em cada espaço e tempo assumiram dimensões e significados diferentes. Desde a década 80 do século passado que se entrou num círculo vicioso da fraude. As inovações tecnológicas e a aproximação no espaço-tempo entre os cidadãos de todo o mundo poderiam ter sido utilizadas de múltiplas formas, mas uma série de dinâmicas fizeram prevalecer algumas das configurações mais perversas. A revolução neoliberal, diluindo as relações sociais e interpessoais num individualismo solipsista de iguais, apesar das profundas desigualdades de propriedade e de poder, inclinou ideológica e politicamente para a subserviência ao hedonismo e a subestimação social da ética. O consumismo, a desregulação, o enfraquecimento do Estado, a financiarização da economia, a mobilização exclusiva pelo curto prazo, em detrimento das dinâmicas estruturais, e o fim das economias socialistas facilitaram a divinização do mercado, pleno de opacidade e assimetria da informação.
O circulo vicioso da fraude impera e tende a controlar-nos. Na concorrência os fraudadores têm vantagens competitivas. As referências éticas diluem-se. A anomia reforça-se. As infracções económicas criam condições favoráveis para novos crimes, num entrelaçamento crescente entre a criminalidade económica internacional e as actividades honestas e legais, amiudadamente nem suspeitado. O crime económico que marca profundamente o nosso quotidiano não é obra de marginais, mas território e propriedade de pessoas e instituições socialmente respeitadas e politicamente poderosas.
3. É necessário inverter o processo. Precisamos de trabalhar por uma sociedade mais ética, mais justa e, consequentemente, mais democrática. Estas crónicas visavam ser mais uma gota no caudal da ética, que eventualmente fizesse brotar, aqui ou ali, a reacção contra as ignomínias. Fizemo-lo sempre com paixão e altruísmo, apoiados na procura de novos saberes que o Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) assumiu como seu apanágio.
Soubemos esta semana, por informação da direcção do jornal, que esta seria a última crónica. Caberá aos leitores decidirem da correcção, ou não, de tal decisão. Nós continuamos o rumo anteriormente traçado. Todas as semanas, à sexta-feira, apresentaremos na nossa página oficial (www.obegef.pt) a crónica que gostaríamos de colocar aqui mesmo, neste local.