João Pedro Martins, Jornal i

Depois do colapso financeiro que teve o epicentro no Lehman Brothers, esperava-se que as entidades reguladoras se tornassem mais activas e que a ética bancária se pautasse pela transparência e o rigor.

 

 

Depois do colapso financeiro que teve o epicentro no Lehman Brothers, esperava-se que as entidades reguladoras se tornassem mais ativas e que a ética bancária se pautasse pela transparência e o rigor.

No entanto, a realidade demonstra que as boas intenções não passaram de pura ficção. Ao mesmo tempo que assistimos ao escândalo do BPN (sem detidos e sem culpados e com muitos lesados), há um novo fenómeno na economia mundial que merece uma reflexão profunda e a adoção de políticas urgentes que permitam a regulação efetiva dos mercados financeiros.

Segundo o Financial Stability Board (FSB), uma entidade internacional que agrega diferentes organismos de supervisão e regulação do sector financeiro, em 2013, o valor dos ativos transacionados no sistema bancário paralelo passou de 5 para 75 milhões de milhões de dólares, o equivalente a 120% do PIB global.

Esta procura crescente dos investidores por ativos alternativos e de maior rendibilidade, cuja intermediação do crédito não está sob a tutela das entidades de supervisão e regulação bancária, constitui um indicador de que podemos estar sob a iminência de um novo risco sistémico na economia mundial.

Os países emergentes, com particular destaque para a China, evidenciam a tendência das preferências dos investidores pelo sistema bancário paralelo que oferece maior rendibilidade e permite a fácil ocultação e branqueamento de capitais, aliado a um pacote inovador de benefícios fiscais.

Não é de estranhar que, desde o início da crise financeira, o número de multimilionários tenha duplicado, muitas vezes com recurso a técnicas artificiais de lucro, que não passam pela produção de riqueza, mas pelo planeamento fiscal agressivo e pela ocultação de capitais e ligações promíscuas com o mundo do crime organizado.

Em contrapartida, assistimos a um aumento da desigualdade que empurra milhões de seres humanos para a armadilha da pobreza. O desequilíbrio na repartição da riqueza é absolutamente assustador. Na África subsariana existem 16 multimilionários que contrastam com 358 milhões de pessoas que vivem na pobreza extrema. As 85 pessoas mais ricas do mundo possuem tanta riqueza como 50% dos mais pobres do planeta.

Portugal é um dos 51 países que se comprometeu a partilhar informações de natureza fiscal relativas aos proprietários de empresas, mas ao mesmo tempo mantém um sistema iníquo de bonificação fiscal sem qualquer regulação na Zona Franca da Madeira, que é reconhecida internacionalmente como um dos principais interpostos de manipulação dos preços de transferência e de lavagem de dinheiro por parte das máfias russas, italianas e andorrenhas.

Esta espiral de desigualdade fez que, em poucos meses, o movimento dos indignados se tornasse na principal força política em Espanha. Os que afirmam que “nós somos os 99%” podem continuar a subir nas sondagens e protagonizar um verdadeiro terramoto político à escala global.

Para os eleitores está provado que o bolor das velhas receitas políticas é incapaz de apresentar soluções para quem sofre as injustiças da pobreza e da desigualdade de oportunidades. São precisas novas ideias, novas políticas e novos protagonistas.

Não sabemos se o partido espanhol Podemos fará a diferença que todos esperam. Mas nós, os 99%, podemos fazer toda a diferença.