Carlos Pimenta, Visão on line,

O Governo está obrigado … mas tal não aconteceu até à presente data.
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1. O leitor, nós e a quase totalidade dos nossos compatriotas fomos flagelados por um brutal aumento de impostos, cujos horizontes de vigência foram, e são, sistematicamente encobertos e adiados. E o espectáculo continua no essencial do actual Orçamento do Estado. Se algumas reduções de sufoco fiscal existem resultam das avaliações jurídicas e democráticas do Tribunal Constitucional. Os portugueses pagam e os credores do Estado recebem, enquanto a ínfima parte restante continua a arrastar o país pela recessão ou fogachos de crescimento.

Como os dados estatísticos demonstram, um em quatro portugueses está em risco de pobreza. O salário mínimo de hoje é mais baixo em poder aquisitivo do que o instaurado em 1974, num processo de construção de um país integrado no mundo, onde a liberdade e a democracia podem ser cantadas, onde as esperanças de uma vida digna, partilhada por todos, iluminaram o futuro possível.

Simultaneamente muitos estrangeiros em Portugal têm regalias fiscais que os nacionais não usufruem, porque “trazem dinheiro”, seja a sua origem criminosa ou honesta, mesmo que a quase totalidade tenha um impacto directo nulo na resolução do flagelo do desemprego. Acresce ainda a multiplicidade de benefícios e isenções fiscais atribuídas, em 2012, a 9186 instituições, no montante de aproximadamente mil milhões de euros.

2. O Governo está obrigado pela Lei do Orçamento do Estado a publicar a lista nominal de contribuintes sujeitos passivos de IRC que, em 2013, usufruíram de benefícios fiscais. A publicação desta lista deveria ter ocorrido até 30 de Setembro de 2014, mas tal não aconteceu até à presente data.

Na vigência do XIX Governo Constitucional é a terceira vez que ocorre esta violação da Lei do Orçamento do Estado, sendo a primeira em 2011 (publicação fora do prazo previsto).

Como estamos formalmente num Estado de Direito, a repetição do incumprimento este ano, não pode deixar-nos de relembrar Eça de Queiroz na sua carta à Companhia das Águas. Se Vossas Excelências cortam, multam, prendem se eu não cumprir a lei, o que havemos nós de cortar-vos?

“O OBEGEF considera que a transparência fiscal é um instrumento fundamental na Democracia. É um direito dos contribuintes, eleitores e cidadãos. Mas a transparência fiscal neste domínio preciso é também um dever do Estado, previsto no art.º 120.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pela Lei n.º 48/2011, de 26 de Agosto) que introduziu um aditamento ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (art.º 15.º-A), obrigando à divulgação da sua utilização: «A DGCI deve, até ao fim do mês de Setembro de cada ano, divulgar os sujeitos passivos de IRC que utilizaram benefícios fiscais, individualizando o tipo e o montante do benefício utilizado»”.

Por isso “o Observatório de Economia e Gestão de Fraude solicitou, no passado dia 15 de outubro, à Ministra de Estado e das Finanças um pedido de esclarecimento relativamente ao facto de o governo não estar a cumprir, por omissão, a Lei do Orçamento do Estado”, para o qual ainda não obteve resposta.

Nela recorda que este incumprimento acontece “numa altura de crise económica e social e de continuidade de elevadas cargas fiscais para a generalidade dos cidadãos e instituições, em que o rigor e a transparência devem constituir a postura dos órgãos de soberania. Não sabemos, por exemplo, como deveríamos ter sabido até 30 de Setembro, o montante que as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira têm poupado com o regime de bonificação fiscal, que na prática constitui uma discricionariedade para com os restantes contribuintes que exemplarmente pagam os seus impostos.”

3. Recordemos alguns dados dos benefícios fiscais durante o período de divulgação acima referido (não incluindo 2013 porque até agora, dia 22/Out. às 19h, os dados ainda não foram publicados):

2010

       1.370.396.345,16

2011

       1.237.195.018,45

2012

887.941.488,95

Isso mesmo: nesses três anos foram concedidos benefícios e isenções fiscais pelo menos no montante de 3.500 milhões de euros. De facto os valores acima referidos são um mínimo, pois, como o Tribunal de Contas alerta, a propósito das informações de 2012, a Administração Tributária e Aduaneira não têm dados completos sobre todos os benefícios fiscais e é deficiente a distinção entre benefícios e desagravamentos fiscais. Outras observações referidas na Auditoria à Quantificação da Despesa Fiscal apontam no mesmo sentido.

O número de instituições abrangidas foi de 10834, 14181 e 9185, respectivamente, para cada um dos anos. A exigência da troika de acabar com o offshore da Madeira foi mais brandamente aplicada que a carga fiscal que ultrapassou o proposto por aquela entidade.

No entanto mais que o número de instituições abrangidas interessa os montantes envolvidos, pois um número reduzido de instituições apropria-se de grande parte dos benefícios.

Em 2011 apenas 16 instituições usufruíam de isenções / benefícios superiores a 10 milhões de euros e apropriavam-se de 59,6% daqueles.

Em 2012

  • três empresas utilizavam 81,8% dos benefícios da rubrica “sgps, empresas de capital de risco (scr) e investidores de capital de risco (icr) (art.º 32.º do ebf)”, que são
Soc Francisco Manuel dos Santos sgps SA

    79.925.394,33

FI Madeira sgps Unipessoal Lda

    59.010.726,19

Parpublica Participações Publicas sgps SA

    43.312.086,51

  • Uma única instituição absorve 66,4% dos benefícios da rubrica “pessoas coletivas de utilidade pública e de solidariedade social (art.º 10.º do CIRC)”. É o caso da “Santa Casa Misericórdia Lisboa”, com 118 milhões de euros. Registe-se complementarmente que há mais uma trintena de instituições da Santa Casa Misericórdia de outras localidades beneficiando também de isenções.
  • Na rubrica “entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira (art.º 36.º do ebf)” a distribuição dos benefícios é menos concentrada mas, mesmo assim, uma única instituição (entre 450 consideradas) absorve 23,6% dos benefícios. Trata-se da “Saipem Portugal Comercio Maritimo Soc Unipessoal Lda”, de “aluguer de meio de transporte marítimo e fluvial. Serviços relacionados com a extracção de petróleo e gás, excepto a prospecção.” A segunda empresa tem menos 17,65 pontos percentuais.

4. Há benefícios fiscais que têm razão de ser jurídica e social, mas é manifestamente impossível generalizar essa justificação. E mesmo nas boas intenções há que distinguir o que é economicamente real e o que é formalmente fictício.

Podemos admitir a hipótese de que todas as empresas que utilizam as possibilidades que a lei oferece aproveitam-no escrupulosamente. Podemos admiti-lo apesar da habitual utilização da contabilidade criativa, da dificuldade de detecção das formas veladas de utilização inadequada de preços de transferência, das imensas possibilidades de ajustamento que os paraísos fiscais e judiciários oferecem.

Não deixamos de olhar com muita desconfiança para a quantidade de empresas “unipessoais”, para a pouca justificação de algumas instituições, para as sucessivas falências e transformações que algumas apresentam, mas não centremos a nossa atenção nessas situações.

Mas essa postura individual não invalida uma constatação imediata: há uma dramática injustiça fiscal. Há um agravamento do bem-estar social dos cidadãos que põe em causa valores fundamentais consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

É a própria lei que está errada.