Henrique Santos, Visão on line,

Infelizmente ainda não sei o que aconteceu ao Senhor Doutor Eduarf

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“...o Senhor Doutor Eduarf sabia disso, e muito mais, pois esteve muito tempo do outro lado

 

Como habitual, o despertador do Senhor Doutor Eduarf, tocou às 7:30 h. Deu os bons dias à esposa com o seu jeito muito carinhoso e foi tomar banho.

Ainda estava no banho quando a empregada colocou um ramo de flores na mesa da sala. Esse ramo foi trazido por um estafeta a pedido do Senhor Doutor Eduarf para mimar a sua esposa no pequeno almoço. Como era hábito nestas ocasiões, a empregada interna recebeu as flores, assinou o talão de entrega e deu uma gratificação ao Miguel (o estafeta que gostava de fazer estas entregas pelas chorudas gratificações que recebia). Este tinha em muita consideração o Senhor Doutor Eduarf, que era descendente de alemães, sempre muito pontual e educado, e, como era notório pela vida que levada, extremamente rico.

Às 8:00 h já o Senhor Doutor Eduarf estava a tomar o pequeno almoço. Era um gosto olhar para a forma como se vestia e os adereços de moda que usava, dos quais se destacava, neste dia, o relógio de marca conceituada no pulso, oferecido no último Natal pelo melhor fornecedor da empresa onde trabalhava. Ele era tão somente o responsável de compras da maior unidade fabril da região. A empregada doméstica interna teria de trabalhar o ano todo para ter o equivalente ao valor daquele relógio. Muitas vezes naquele dia, nos seus secretos pensamentos, pensou em arrancar o braço ao patrão. Mas por respeito, ou por temor a Deus, jamais lhe faria isso.

Era domingo, e como sempre o mais belo carro da sua garagem ia passear os seus donos. De facto, o carro não era dele, era do stand de carros, que tinha fornecido a última frota à sua empresa, e que o emprestou ao Senhor Doutor Eduarf para o usar nos seus momentos pessoais, como forma de agradecimento.

Não era seu hábito, mas naquele domingo foi o próprio a atestar o depósito do carro. Ia, com a esposa, ver uma peça de teatro na capital. Após atestar o depósito, pediu a fatura em nome da empresa onde trabalhava (como sempre fazia) e voltou a casa para que a esposa se juntasse a ele. Sabia que seria um dia em grande. Pois além da peça de teatro, estava certo que ia encontrar um Secretário de Estado, que lhe ficara de dar novidades quanto às novas adjudicações que iriam ser entregues à sua empresa.

Esqueci-me, peço desculpa, de dizer que o bilhete do teatro também lhe foi oferecido pela empresa onde trabalhava, a par de uma participação nos resultados desta, pelos excelentes resultados anuais, e de que ele tinha sido o principal responsável.

Estávamos no dia dois de janeiro... Depois de uma enorme cavaqueira com o Senhor Secretário de Estado que encontrou por acaso (!), e a quem até acabou por oferecer o almoço, telefonou-lhe o Técnico de Contas da empresa (que teve de trabalhar ao domingo), a dizer-lhe que estavam a fazer o inventário anual e havia stock a mais na empresa, que ele não tinha contabilizado, mas também não encontrava as notas de encomenda. O Senhor Doutor Eduarf descansou-o, disse que devia ter relação com o facto de já ter vendido uma enorme encomenda, que só faltava entregar ao cliente e receber. Insinuou, com o seu jeito brincalhão, que o técnico já estaria cansado com tanta contagem, mas que até podia ser uma boa notícia, pois era sinal que ainda tinham mais em stock do que pensavam (continuou a ironizar como só ele sabia fazer, mas que todos assumiam como sendo perspicácia e atenção).

No dia três de janeiro o Senhor Doutor Eduarf foi convidado para assessorar o Senhor Secretário de Estado com quem havia almoçado no dia anterior. Quando o Ministro da pasta perguntou ao Secretário de Estado o motivo da contratação, este frisou-lhe a capacidade de gestão e os conhecimentos que possuía na área da negociação, que podiam ganhar muito com isso, e que ele, ainda por cima era líder do partido na sua terra, e que era muito respeitado por todos.

Na verdade o Senhor Doutor Eduarf iria ficar responsável pelas compras e adjudicações daquela Secretaria de Estado, e ele sabia muito, mesmo muito, até o número de conta bancária da esposa num paraíso fiscal, um homem mesmo muito informado. O pior é que esse número de conta não serviu para que este novo Assessor depositasse nela algum dinheiro, nada disso. Foi o conhecimento dessa conta que convenceu o Senhor Secretário de Estado a contratar o seu assessor. Afinal a esposa não trabalhava, não tinha rendimentos, não era herdeira de profissão, e o Senhor Doutor Eduarf sabia disso, e muito mais, pois esteve muito tempo do outro lado.

Infelizmente ainda não sei o que aconteceu ao Senhor Doutor Eduarf, ele parece um camaleão, e a sua história de vida vai-me chegando por peças retalhadas, mas ele vai aparecer, não tarda...