Rui Henrique Alves, Visão on line,

Há cerca de dois anos, escrevi uma crónica com título idêntico a este. Ceteris paribus, ou “com tudo o resto constante”, é uma expressão muito usada na Economia e corresponde a um modo de análise comum nesta Ciência, pelo qual se tentam encontrar e usar relações de causalidade entre duas variáveis, assumindo que as restantes se mantêm.
Assim, por exemplo, consideramos que quando o preço de um bem aumenta, a quantidade procurada do mesmo diminui. Admitimos igualmente que quando a taxa de juro diminui, o consumo e o investimento aumentam. Ou ainda que quando a taxa de imposto sobe, a receita fiscal cresce. Já agora, determinamos também que quando a taxa de câmbio desce (isto é, a moeda nacional perde valor), a competitividade internacional do país aumenta, elevando-se as exportações e reduzindo as importações

O problema fundamental em todos os raciocínios anteriores é que todos eles podem não se observar, conquanto as demais variáveis venham a alterar-se. Assim, se o preço de um bem aumenta, é certo que isso nos pode levar a procurar substitutos e equivale a uma situação em que o nosso rendimento diminui. Mas se porventura o nosso rendimento crescer tanto ou mais que o preço em causa, a quantidade procurada do bem em causa pode até aumentar. Isso não significa que a relação entre preço e quantidade procurada seja inválida, mas tão só que não se observou a condição ceteris paribus.
Por sua vez, se a taxa de juro diminui, é verdade que o custo do acesso ao financiamento se reduz e isso incentiva a procura de fundos financeiros por famílias e empresas para, respectivamente, despesas de consumo e de investimento. Mas se porventura estes agentes económicos olharem com pessimismo para o futuro, a taxa de juro poderá reduzir-se em muito e o consumo e o investimento não recuperarem. Basta lembrar os famosos animal spirits keynesianos e, no concreto, os resultados de sucessivas intervenções do Banco Central Europeu no contexto pós-crise financeira. Mais uma vez, isto não significa uma relação inválida entre a taxa de juro e o consumo e investimento, mas apenas o resultado da não verificação da dita condição ceteris paribus.
Continuando, é admissível que uma subida na taxa de imposto conduza à elevação da receita fiscal: se o nosso rendimento for 1000 e a taxa de imposto 10%, a receita fiscal será 100; se o rendimento for o mesmo e a taxa de imposto 20%, a receita fiscal será 200... Mas se a taxa de imposto subir, o rendimento disponível quebra e, entre outros efeitos, poderá registar-se uma redução no consumo, que levará à diminuição da receita fiscal (indirecta), a par com uma provável elevação do peso da economia não registada. Algo que também nos é familiar e que justificaria certamente uma visão distinta por parte dos meios governamentais e europeus perante as questões do ajustamento... Até porque, uma vez mais, o problema não é da relação inicial, mas da não verificação da condição ceteris paribus.
Como último exemplo, a relação entre taxa de câmbio e competitividade. Assim, considera-se que se a nossa moeda perder valor, as exportações ficam mais baratas em moeda externa e aumentam, enquanto as importações ficam mais caras em moeda nacional e diminuem. É um dos argumentos mais frequentemente utilizados para defender a saída de Portugal do euro, para dar margem de manobra a uma possível política de desvalorização da moeda. Contudo, e o passado assim o mostra, para além do problema da inflação importada, o efeito nas exportações depende da reacção de quem vende. Os exportadores podem decidir manter os preços em moeda externa e aumentar os preços em moeda nacional, realizando mais lucros, em lugar de vender mais. E a seguir tudo depende do que fazem a esses lucros. Ou seja, mais uma vez tudo depende da verificação ou não da condição ceteris paribus.
Nada disto seria problemático se, nas análises que fazem, alguns economistas, particularmente os que lidam mais directamente com políticas macroeconómicas, tivessem em conta o grau de incerteza que se gera a partir do uso da condição ceteris paribus. Não seria problemático se admitissem que a realidade muitas vezes se não conforma aos pressupostos teóricos. Não seria problemático se fossem ajustando as suas previsões e medidas à realidade e não se alçassem ao papel de iluminados que tudo sabem e tudo podem. Há casos concretos? Deixo isso à imaginação do leitor...