Oscar Afonso, Visão on line,
Uma análise cuidada à evolução recente da economia portuguesa permite concluir que a culpa do ataque à zona euro, na sequência dos ataques especulativos a dívidas públicas, não deve ser sobretudo procurada na actuação dos especuladores. Na minha opinião os grandes culpados são as elites que nos governam – na União Europeia e em Portugal – e cujo principal e único objectivo parece ser a manutenção do poder político futuro.
Como sabemos a elite europeia, dominada pelo pensamento alemão, determinou: a ausência de mecanismos de ajustamento alternativos ao uso da taxa de câmbio nominal; a insuficiente atenção à coordenação das políticas orçamentais nacionais; a excessiva tendência pró-estabilidade dos preços. A insuficiente importância atribuída à convergência real (i.e., à aproximação em termos de variáveis representativas do nível de vida) como possível condição prévia para a participação na moeda única, junto com erros no processo de adequação ao novo contexto macroeconómico, revelou-se fatal para economias governadas por elites egoístas, sem grande amor à pátria e sem desejo de servir o bem comum. Tal parece ter sido o caso em Portugal onde, após a entrada na moeda única, se passou a registar um processo de divergência significativa em termos reais com a média europeia, quando a literatura indica que a livre actuação dos mecanismos económicos determina um processo de catching up no seio de uma área sujeita a integração económica; i.e., a livre actuação das forças de mercado impõe um processo de convergência real em que, durante algum tempo, as economias atrasadas da área crescem mais que as economias mais avançadas.
A descida das taxas de juro, fruto mais evidente da convergência nominal (i.e., da aproximação das principais variáveis nominais da economia), induziu quem nos governou a um excessivo endividamento e a um incentivo ao endividamento dos demais agentes económicos. Sem aparente motivação pelo bem comum, o que custou a essa elite, sobretudo no pós-1995, fazer brilharetes com o dinheiro de todos e assim conservar o poder? Como foi possível seguir uma política orçamental “ao contrário” (pró-ciclica)? Como foi possível não aproveitar períodos “bons” para conseguir margem de manobra para intervenção em períodos “maus”? Como foi possível tamanho descontrolo orçamental em período de expansão, que nos obriga a políticas restritivas em período de recessão? Como foi possível um aumento tão significativo do peso da economia paralela, nomeadamente da economia subterrânea motivada pela fuga fiscal?
Na sequência desse endividamento e descontrolo, a poupança da nação reduziu-se e, conjugada com a perda de competitividade (fruto da perda do instrumento taxa de câmbio, do alargamento a leste e da maior penetração no mercado europeu de países como a China), determinou uma deterioração das contas externas. O resultado foi um conjunto de importantes desequilíbrios macroeconómicos insustentáveis no longo prazo e que, num primeiro momento, incentivaram os ataques especulativos à dívida pública portuguesa e, numa segunda fase, acabaram por obrigar à implementação de um programa de ajustamento restritivo com custos significativos no produto e no emprego.
Infelizmente, a falta de uma elite excepcional sugere-nos que os efeitos económicos das medidas já implementadas são incertos e que não é expectável uma alteração relevante nos tempos mais próximos, tanto no caso genérico da União Europeia, como no caso particular de Portugal. Na verdade, apesar de algumas medidas importantes tomadas, por exemplo, em cimeiras europeias recentes, a actuação continua a caracterizar-se pela excessiva demora e pela reduzida importância atribuída a políticas de crescimento e emprego em detrimento de políticas de forte austeridade. Creio até poder dizer-se que as medidas restritivas servem os interesses das elites já que empobrecem possíveis concorrentes. Em todo o caso, é possível avançar algumas sugestões para o fortalecimento da zona euro e que podem evitar a repetição futura de situações como as descritas, credibilizando expectativas de evolução estável e desincentivando ataques especulativos. Entre outras, sugiro as seguintes:
• Reforço da coordenação de políticas orçamentais de modo a reduzir a probabilidade de problemas orçamentais.
• Reforço da vigilância sobre a disciplina orçamental, impedindo a repetição de surpresas negativas, como as registadas no caso da Grécia (com sucessivos dados estatísticos a revelarem-se incorrectos).
• Reforço da atenção às questões do crescimento económico, essenciais para o cumprimento das obrigações dos países no médio-longo prazo.
• Criação de incentivos para verdadeiras reformas estruturais, que facilitem o funcionamento de mecanismos de ajustamento face a choques económicos, num contexto de impossibilidade de uso do instrumento cambial.
• (por último, mas não menos importante) Formação de uma elite capaz e motivada pelo bem comum.