Carlos Pimenta, Jornal i,
1. Foi detectada recentemente a venda de carne de cavalo, fazendo-se passar por vaca. Ainda bem! O que seria grave é que não detectassem.
As situações que quotidianamente nos podem afectar são tantas que o perigo está em não as vermos, em nos dizerem que “no nosso país não há, blá, blá”.
Na produção e comercialização de alimentos há muitas actividades ilegais. Parte dos 27 milhões de escravos (escravos, e não uma espécie de escravos!) actualmente existentes, incluindo na Europa, produzem diversos alimentos, “da fruta à carne e do açúcar ao café”, que aparecem nas nossas mesas. Como afirma um estudioso (Loretta Napoleoni), “a escravatura está dentro dos nossos frigoríficos”. E não se esqueça de englobar algumas migalhas das 400.000 toneladas anuais de pesca ilegal desembarcada na Europa.
Produção ilegal, eventual ausência de controlo sanitário, propagação de doenças. E se estiver doente tenha em atenção que, segundo a OMS, “um em cada dez comprimidos é falsificado”.
Muitos de nós não seremos afectados pela produção e distribuição de droga, pelo tráfico de órgãos humanos, pelo comércio de espécies em extinção, pela circulação de notas falsas, pelo transporte e “guarda” de resíduos tóxicos, pelos negócios da guerra, pela pedofilia, mas certamente também muitos o serão.
Muitos de nós ainda não fomos extorquidos de verbas nas nossas contas bancárias, chantageados e controlados informaticamente, e a nossa identidade roubada, mas esse perigo existe sempre e muitos já o foram. E talvez uma parte do correio electrónico com publicidade não solicitada, não seja um acaso, mas o resultado duma devassa da nossa vida privada e filtragem da nossa actividade.
E a sua própria vida pode também estar em jogo. Sabia que há pirataria de peças sobressalentes para a aviação civil? Talvez utilizadas no avião em que vai viajar.
2. Eis alguns poucos exemplos da economia ilegal. Mas regressemos à carne de cavalo.
Quando uma ponta das actividades da criminalidade internacional se torna visível tornam-se evidentes algumas das suas características.
Estas actividades ilícitas têm uma dimensão internacional, planeada, afectando milhões de pessoas.
Pela sua dimensão não é o resultado de um abate ilegal numa “garagem de aldeia”. É uma actividade organizada, de grande dimensão, certamente susceptível de ser vista e controlada.
Admitindo-se, ou não, a idoneidade das marcas dos produtos afectados constatamos que no circuito de comercialização estiveram presentes fornecedores de “confiança”. Hoje as fronteiras entre as máfias e as actividades legais são muito difusas, formando uma rede entrelaçada.
Desta constatação resulta imediatamente uma outra. O criminoso de colarinho branco é uma peça importante deste processo. Por outras palavras, alguns dos criminosos serão cidadãos com responsabilidades sociais relevantes, pessoas da “máxima confiança”, com quem eventualmente conversamos no fim da missa.
Há forte probabilidade que esta casta de criminosos negoceie a cegueira do Estado e das forças de segurança, que haja, em alguns países, mais corrupção.
O esmagamento do custo por parte das empresas, subestima o controlo de qualidade em detrimento do preço baixo e cria um ambiente favorável à propagação destes logros.
3. É verdade, criminalidade sempre existiu, mas como a que cresceu após a década de 80 do século passado até aos nossos dias, adubada pela lógica neoliberal da globalização, nunca houve anteriormente!