Paulo Vasconcelos, Visão on line,
Este é parte do título de um artigo de jornal, “Lance Armstrong: o mentiroso admitiu a mentira”.
1. Sim o melhor ciclista de todos os tempos, admitiu publicamente que errou. Tem sido por isso, e merecidamente, torpedeado. Atacado sem dó nem piedade pela comunicação social, ciclistas, desportistas de outras modalidades e, por que não generalizar, pela opinião pública.
Admitiu, que deverá passar o resto da sua vida a recuperar a confiança das pessoas. Trata-se de um reconhecimento público de culpa, atitude rara nos dias de hoje. Usando a comunicação social que o tornou famoso, despiu-se da sua farsa e expôs-se. Ninguém foi capaz até ao momento de relevar a atitude deste mentiroso. Ora ele é mentiroso porque ele próprio o afirma. Sim, agora ele é verdadeiro; foi mentiroso durante a década em que dominou o ciclismo. Década em que a opinião pública o exaltava; em que exaltava um mentiroso...
Quem com ele competiu, muito provavelmente cometeu das mesmas fraudes. Dois treinam com empenho e técnicas semelhantes; um é melhor que o outro; ao segundo resta-lhe ser segundo – verdade – ou tenta por meios ilícitos – mentira – compensar a capacidade em falta. O segundo passa a primeiro, e passam a segundo dezenas, centenas de outros. O outrora primeiro, deixa de existir, mesmo sendo naturalmente o melhor. Se quiser competir tem então de passar a mentir, e volta a lutar pelas primeiras posições. Quem compete então? O homem? Não. Compete o homem e toda a informação e influência a que tem acesso e a que lhe dão acesso. Uns tomam café para se manterem mais alerta e trabalharem mais afincadamente. Outros fazem autotransfusões de sangue e tomam substâncias proibidas. Estarão todas as substâncias dopantes proibidas? Estarei a fazer uma comparação abusiva? A resposta à primeiro é não, certamente. A resposta à segunda é sim, obviamente. Mas preciso de colocar “as coisas” em perspetiva. Talvez na obsessão pessoal e induzida por “amigos” e destaque social, ir de um simples e quotidiano estímulo, a um complexo e diário esquema para melhorar o desempenho físico, não seja assim tão distante…
Como ele, muitos mentem e mais ainda aldrabam para atingir desmedidas ambições pessoais. Ele fez-se notar, foi notícia, fez o que ninguém tinha feito. Outros cometem tropelias destas e doutras para serem o maior peixote lá do aquário!
2. Quantos homens e mulheres conseguiram brilhar apenas com esforço e empenho? Muitos certamente. Mas há outros que depenicam aqui e ali para, sem esforço, melhor que a cigarra, cantarem e amealharem sem esforço.
Competição desleal é o mais comum, sempre o foi e mais agora, com o culto pelo “eu” e com a sensação, talvez certeza, de impunidade. As fraudes são diárias, os seus relatos são hebdomadários, mas as penas … essas nunca ocorrem. Poderia então, de vez em quando, um desses “atletas” retratar-se perante aqueles de quem se quis distinguir; assumir que mentiu e que está pronto para lutar e recuperar a confiança das pessoas…
Em Portugal temos um país de doutores. Muitos com mérito e com oportunidade trabalharam para obter as suas competências. Outros, quais pavões oportunistas, são finos a obter os seus diplomas. E aparentemente é fácil obter os canudos que certificam tudo menos a competência. Uns compram doutoramentos pela internet, outros fazem equivaler o seu percurso profissional a unidades curriculares formativas. Uns entram brutos num dia e saem brutos diplomados no seguinte. Outros são graduados ao fim de semana!
Jogam com os demais, que se dedicam e esforçam para aprender, que se penhoram e endividam para adquirir competências e conhecimento, que investem e sacrificam adiando a sua entrada no mundo do trabalho; trabalho esse que não existe em parte por ação destes “doutorzecos” que têm comandado o barco sem dominar a arte de marear. Em vez de prestarem um serviço público aproveitam-se dele em benefício próprio e de alguns grupelhos.
3. Foi possível, cercando, pressionando, conduzir o melhor ciclista de sempre a confessar a sua fraude de anos. Não será possível, cercar, pressionar, gestores defraudadores, políticos corruptos, falsos doutores e fingidos observadores de agências internacionais bem-falantes?
Se não são julgados, pelo menos que um dia alguém sobre eles escreva “O mentiroso admitiu a mentira”.