Oscar Afonso, Jornal i,
Em todos os países do mundo existe uma parte da economia, a Economia Não Registada (Sombra ou Paralela), cuja actividade, reflectindo comportamentos marginais e desviantes, não é reflectida na contabilidade nacional, sendo o seu tamanho, causas e consequências variáveis de país para país. Nesta minha primeira crónica gostaria de discutir o respectivo conceito.
A definição formal de Economia Não Registada não deixa de ser uma tarefa difícil, porque: (i) o fenómeno é complexo; (ii) há uma constante mutação ao longo do tempo – adapta-se, em particular, às alterações nos impostos, às sanções das autoridades fiscais e às atitudes morais em geral; (iii) o conceito incorpora diversas actividades económicas – segundo o relatório “Measuring the Non-Observed Economy” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), de 2002, inclui a economia subdeclarada (oculta ou subterrânea), a economia ilegal, a economia informal, o autoconsumo e a economia subcoberta por deficiências da estatística.
Esse trabalho da OCDE veio mostrar que o uso dos termos não é uma mera questão de nomenclatura. A economia subdeclarada corresponde ao produto que se furta à contabilização por razões dominantemente fiscais. A economia ilegal reporta o produto que não é contabilizado porque resulta de actividades ilícitas, pelos seus fins ou pelos meios utilizados. A presença destas duas rúbricas reflecte, nomeadamente, a fraude, o branqueamento de capitais, o aumento dos conflitos de interesse, o uso de informação privilegiada, a desregulação e o enfraquecimento do estado, e representa um forte retrocesso civilizacional que pode colocar em causa a organização social democrática existente. Por sua vez a economia informal e o auto-consumo comportam o produto criado por actividades essencialmente associadas a uma estratégia de melhoria de condições de vida das famílias ou de sobrevivência, e permitem explicar, por exemplo, a sobrevivência das populações em países com Produto Interno Bruto oficial per capita abaixo do limiar de subsistência. Estas duas últimas rúbricas podem, de facto, servir de almofada social e evitar maior sofrimento da população.
Entre países, ou num país ao longo do tempo, a distinção entre rúbricas torna-se relevante, pois tem um impacto nas estimativas de medida e pode causar inconsistências em termos de análise. Assim, a definição mais abrangente de Economia Não Registada, no sentido em que é capaz de abarcar todas as rubricas enfatizadas pela OCDE, passa por considerar que engloba as transacções económicas que contribuem para o Produto Interno Bruto, mas que, por diversas razões, não são tidas em conta. No entanto, os estudos sobre a medida tendem a considerar apenas uma ou algumas das suas rúbricas e acabam, portanto, por subestimar o objecto de estudo. Efectivamente, a definição usualmente considerada tende a depender do propósito do estudo, da metodologia utilizada e da informação disponível, sendo que as actividades particularmente enfatizadas são as relacionadas com a economia subdeclarada.
Em suma, embora a Economia Não Registada englobe diversas rúbricas, geralmente e no melhor dos cenários – certamente devido à complexidade e ao dinamismo do fenómeno –, apenas a produção subdeclarada tende a ser analisada. Dependendo de país para país e de período temporal para período temporal, muita Economia Não Registada fica pois omitida nos estudos efectuados.