Carlos Pimenta, Jornal i,

1. A fraude é uma hidra, que em vez de encontrar um Hércules capaz de degolar as suas sete cabeças, pavoneia-se entre os humanos, reproduzindo-se no consumismo, numa existência utilitarista alicerçada na convicção que até os valores mais sagrados do humanismo são transacionáveis, no turbilhão dos negócios, num enfraquecimento da honra e da coesão das relações sociais, na degenerescência ética.
Alimenta-se na organização social da globalização, no abandono do longo prazo e no encantamento pelo imediato e efémero, no aumento das desigualdades económico-sociais, na transformação do Estado-nação no Estado-mercado, na degradação das relações de confiança entre os cidadãos e os seus representantes políticos. Uma degradação que resulta do folclorismo e clubismo irracional dos atos eleitorais, do aumento das desigualdades económico-sociais, da sobredeterminação da política pelos interesses económicos. Autoalimenta-se nas relações sociais criadas, na propagação do exemplo, nos processos automáticos de exclusão progressiva das boas pelas más práticas económicas, de afastamento dos referenciais éticos e ascensão dos seus contrários.
Os centros de decisão chafurdam em conflitos de interesses. Quem gere e representa os outros tem como primado a opípara beneficiação pessoal; quem deve regular, controlar e fiscalizar é comandado por aqueles que deve supervisionar. Um conflito de teias complexas, globalizadas, entrelaçando as mais diversas relações sociais.
2. A fraude é mimética, com capacidade de se ajustar ao ambiente, e também assumindo formas diversas. É a fraude cometida contra as empresas que sangra a sua capacidade de existência, é a fraude manipulada pelos conselhos de administração em seu benefício próprio ou angariando vantagens ilícitas para as suas instituições. É a corrupção nos mais diversos sectores de funcionamento social, nomeadamente os políticos. É o financiamento informal das campanhas eleitorais como “investimento” dos favores passados ou para obtenção de futuros. É a manipulação de rendimento e riqueza para encobrir a sua origem defraudadora ou criminosa. São os paraísos fiscais com a sua opacidade que funcionam como bastiões fortificados de qualquer investigação criminal e espaço de debochante manipulação contabilística. É o aproveitamento das redes informáticas para transformar o conto do vigário numa actividade massificada à escala mundial contra a qual não há vacina eficaz devido à mutabilidade dos procedimentos.
A fraude económico-financeira é mimética e a criminalidade económica internacional acompanha-a e aproveita-se para reforçar o seu poder, para aumentar o seu controlo sobre as actividades económicas legais, para se apropriar da capacidade de decisão dos Estados.
A situação de crise e a falta de liquidez das instituições, a dependência estatal do funcionamento dos mercados de capital de crédito (e usura), as privatizações e a forma como são realizadas são manás para o seu expansionismo, para a propagação da sua ditadura sob a capa dos formalismos democráticos.
3. É certo, fraudes sempre existiram. Mas a realidade forjada nos últimos trinta anos é quantitativa e qualitativamente nova.
É urgente e imperioso inverter a situação.
É sobre essas desventuras e epopeias que falaremos um pouco nestes artigos semanais.