Manuel Castelo Branco, Visão on line,

Nas últimas décadas têm-se multiplicado os escândalos financeiros e empresariais, entre os quais o da Enron continua a merecer lugar de destaque. A universidade não se tem alheado destas questões. Nas escolas de gestão, em grande medida como consequência daqueles escândalos, o estudo e ensino da ética e da responsabilidade social empresarial têm-se desenvolvido fortemente nas últimas décadas. Isto porque tendo muitos dos perpetradores dos crimes que estiveram na origem desses escândalos sido educados nelas, essas escolas foram parcialmente responsabilizadas. Para alguns, os educadores dessas escolas seriam, na melhor das hipóteses, culpados de providenciar o ambiente em que as Enrons do mundo se poderiam refugiar e florescer, ou, na pior das hipóteses, culpados de cumplicidade no comportamento criminoso daquelas.
Todavia, há quem argumente que responsabilizar essas escolas corresponde a sobrestimar grosseiramente a influência que a educação por elas fornecida teria nos indivíduos, assumindo que os valores destes se formam e consolidam muito antes de os professores do ensino superior terem alguma possibilidade de os afetar. No entanto, há estudos que dão conta de uma efetiva influência da educação universitária. Num dos mais recentes estudos sobre o tema, com o título “The Purpose of the Corporation in Business and Law School Curricula” (O objetivo da empresa nos conteúdos programáticos das escolas de gestão e direito), Darrell M. West, da prestigiada Brookings Institution (www.brookings.edu), conclui, entre outras coisas, que a educação oferecida nas escolas de gestão e de direito afeta de facto as visões do mundo, uma vez que a probabilidade de os estudantes considerarem a criação de valor para os acionistas como sendo o objetivo primordial de uma empresa é maior após terem concluído os seus estudos.
Pode muito bem ser verdade que o sistema capitalista conduz a uma perda de ligação com a natureza, os outros e a comunidade, e que, devido às suas características e ao seu modo de funcionamento, a noção de responsabilidade perante os outros e a comunidade, na qual se baseia a ética, não só não tem condições para florescer, como, pelo contrário, vai esmorecendo. Mas isto não nos deve impedir de reconhecer o papel que tem vindo a ser desempenhado pelas escolas de gestão na promoção de determinado tipo de valores e de atitudes e do papel que elas poderão vir a ter na alteração destes. A verdade é que tais escolas moldam a identidade, perspetivas e aspirações dos indivíduos que se irão tornar atores influentes em organizações poderosas e, por isso, elas são corresponsáveis pela definição dos objetivos últimos das empresas e dos meios através dos quais se tem procurado atingi-los.
A este propósito, é importante referir um importante livro de Rakesh Khurana, publicado em 2007 pela Princeton University Press, com o sugestivo título “From higher aims to hired hands” (De objetivos elevados a mercenários). Nesta obra, através de uma análise das escolas de gestão nos EUA, Khurana mostra como esta instituição (a escola de gestão), criada para legitimar a gestão, se tornou, através de um abandono do projeto de profissionalização que lhe deu a direção e ímpeto iniciais, um instrumento que promove uma diminuição da legitimidade da gestão. Este autor mostra como essa história revela uma dissociação das práticas das escolas de gestão relativamente a uma missão que se centrava inicialmente na profissionalização da gestão, a qual ainda hoje é considerada como acarretando um propósito social. Neste processo, deu-se a substituição de uma narrativa da gestão enquanto profissão, em que se colocava os gestores no centro da empresa e se fazia deles os principais elos de ligação entre as preocupações mais estreitas do negócio e as preocupações mais latas da sociedade, por uma visão em que domina a ideologia da primazia dos acionistas e os gestores são pensados como meros agentes, falíveis e corruptíveis, dos acionistas. Khurana enfatiza a importância de um retorno à narrativa da gestão como profissão.
A ênfase excessiva nos mecanismos de mercado e nos preços das ações das empresas por parte das escolas de gestão impediu-as de ensinar aos estudantes que um gestor é, por inerência, mesmo que não o perceba nem assuma, responsável por bastante mais do que a criação de valor para os acionistas. Aos educadores nas escolas de gestão deve ser exigida a consciência de que uma das mais importantes mudanças sociais e económicas ocorridas nos últimos 50/60 anos é a de as modernas sociedades já não serem principalmente sociedades de indivíduos, se é que alguma vez houve tal tipo de sociedade, mas antes sociedades de poderosas organizações, de que são exemplo principal as empresas. Quando um elemento da sociedade atinge o nível de influência dominante que caracteriza as modernas empresas, tal influência vem com responsabilidades comensuráveis para com as sociedades de que fazem parte. A consciência de tais responsabilidades deve ser transmitida aos futuros líderes e profissionais nas escolas de gestão.
Por isso, é imprescindível atenuar os efeitos perniciosos da hegemonia de visões adotadas da ciência económica, de que são exemplos a economia dos custos de transação, a teoria da agência ou ainda a hipótese da eficiência de mercado. Estas abordagens oferecem modelos do comportamento e natureza humanos e do comportamento das empresas, o qual é subordinado ao seu objetivo fundamental, a saber, a maximização do valor para o acionista, que nos impedem de ver que nas sociedades atuais as relações humanas nos aparecem como relações entre coisas e nos tornam ainda mais fechados à presença dos outros envolvidos na produção daquilo que consumimos.
Defende-se neste texto uma indispensável reorientação do ensino em gestão no sentido de olhar para as empresas e para a economia em geral como uma área de interesse, em vez de como uma forma de obter um emprego. Isto possibilitaria alguma espécie de necessária libertação da capacidade de estimular linhas de pensamento e análise críticas do papel da empresa e de outras organizações na sociedade. Embora tal reorientação não garanta que as escolas de gestão se tornem mais interessadas em questões como as dimensões e consequências sociais das empresas ou em desenvolver, promulgar e impor normas de conduta ética, ela afigura-se como uma condição necessária, embora não suficiente, para que tal aconteça.
Nesta perspetiva, inculcar um sentido de responsabilidade pelos impactos de natureza económica, social e ambiental das decisões tomadas ao nível da gestão das organizações nos futuros profissionais deveria ser considerado uma das preocupações principais na educação em gestão. Para que tal suceda, torna-se indispensável o compromisso por parte dos educadores em fazer da responsabilidade social e ética nas empresas um aspeto fundamental da conceção dos conteúdos e do seu ensino.