Nuno Moreira, Visão on line,

Quer as enormes e mediáticas fraudes da última década quer a crise financeira de 2008 revelaram a existência de lacunas consideráveis no sistema de auditoria europeu. Nos mais recentes relatórios de inspecção das autoridades de supervisão nacionais, foi também criticada a qualidade das auditorias. A auditoria está mandatada para assegurar a credibilidade e fidedignidade das “contas” podendo, estes falhanços, ameaçar definitivamente este mandato, se nada for feito. A “criatividade” e, em especial, a fraude nas demonstrações financeiras são aqui um elemento central.
Até aqui, nada de novo. Que propostas recentes e concretas estão em cima da mesa?
A Comissão Europeia tem vindo a liderar uma reforma do mercado de auditoria europeu, perspetivando que este seja de melhor qualidade, mais dinâmico e aberto. É urgente restabelecer a confiança nas demonstrações financeiras das empresas!
Vamos aos elementos essenciais da proposta da comissão, de 30/11/2011:
Rotação obrigatória das empresas de auditoria: As empresas de auditoria serão objecto de rotação após um período máximo de contratação de 6 anos (com algumas excepções). Deve ser respeitado um período de espera de 4 anos antes de a empresa de auditoria poder ser de novo contratada pelo mesmo cliente. O período que precede a rotação obrigatória pode ser alargado para 9 anos, caso sejam realizadas auditorias conjuntas, ou seja, caso a entidade auditada contrate duas ou mais empresas para realizarem a auditoria, o que pode melhorar a qualidade desta, por aplicação do «princípio dos quatro olhos». Consequentemente, a realização de auditorias conjuntas, não sendo obrigatória, é encorajada.
Concurso obrigatório: As entidades de interesse público serão obrigadas a utilizar um processo de concurso aberto e transparente para a selecção de um novo auditor. A comissão de auditoria (da entidade auditada) deve participar activamente no processo de selecção.
Serviços distintos dos de auditoria: As empresas de auditoria não poderão prestar serviços consultoria (non-audit) aos seus clientes de auditoria. Além disso, as grandes empresas de auditoria terão de separar as actividades de auditoria das restantes actividades, para evitar os riscos de conflitos de interesses.
Supervisão europeia do sector da auditoria: Por outro lado, tendo em conta o contexto mundial da auditoria, é importante assegurar a coordenação e a cooperação em matéria de supervisão das redes de auditoria, tanto a nível da EU como a nível internacional. Assim, a Comissão propõe que a coordenação das actividades de supervisão dos auditores seja assegurada no âmbito da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (AEVMM).
Oferecer aos auditores a possibilidade de exercerem a sua actividade em toda a Europa: A Comissão propõe a criação do mercado único da revisão legal de contas mediante a instituição de um passaporte europeu para a profissão de auditor. Para o efeito, as propostas da Comissão permitirão que as empresas de auditoria ofereçam serviços em toda a UE e exigirão que os revisores oficiais de contas e as empresas de auditoria respeitem as normas internacionais de auditoria quando efectuam revisões legais de contas.
Reduzir a burocracia para as empresas de auditoria de menor dimensão: A proposta prevê ainda uma aplicação proporcionada das normas no caso de pequenas e médias empresas. “
Sendo de saudar toda a dinâmica que tem vindo a ser criada pela Comissão Europeia, à volta da reforma do sistema de auditoria, e reconhecendo o utilidade das medidas acima propostas, é, contudo, de lamentar o seguinte:
­Não foi considerado (também) essencial e prioritário, desde já, obrigar à integração de, pelo menos, um especialista na prevenção e deteção de fraude (Fraud Examiner /Forensic Accountant) nas equipas de auditoria /revisão de contas das entidades consideradas de interesse público (PIE´s), nas quais, qualquer Fraude que ocorra, pode ter efeitos sistémicos devastadores (como tem vindo a acontecer).
Vejamos…
­As normas de auditoria atuais autorizam e incentivam que assim seja (e.g. ISA 240);
­O trabalho de auditoria tem limitações, uma vez mais reconhecidas no último livro verde da Comissão, não estando diretamente vocacionada para a prevenção e deteção de fraudes;
­Existe a nível internacional este tipo de especialistas, devidamente acreditados por prestigiadas associações profissionais (EUA);
­A dimensão das Public Interest Entities (PIE´s) e o facto da auditoria nestas empresas estar assegurada, com elevada concentração, pelas Big Four, certamente, permitiria diluir algum ajustamento que fosse necessário efetuar nos honorários para integrar um Fraud Examiner ou Forensic Accountant nas respetivas equipas. Ou seja a Fraud Examination ou Forensic Accounting, seria sempre um complemento ou extensão da auditoria “tradicional, o qual, nestas PIE´s, continuaria certamente a ter uma interessante relação custo /benefício.
De uma carta que tomei a iniciativa de enviar no passado mês Dezembro de 2011 à Comissão Europeia, ficou a promessa (na resposta) de possivelmente vir ainda a acolher futuramente esta sugestão, após uma análise mais aprofundada da margem de manobra dada pelo normativo de auditoria (ISA 240), bem como, depois de avaliar adequadamente como tem vindo a ser a sua aplicação no “terreno”.
Seria útil, seguramente!