Manuel Castelo Branco, Visão on line,

Pelo menos desde 2005 têm vindo a ser levadas a cabo iniciativas para garantir que o enquadramento legal português providencia um ambiente favorável para a formação e operações das empresas. Existe até uma página web do Ministério da Justiça, intitulada “Portugal Simplifica” (http://www.cuttingredtape.mj.pt/pt/asp/default.asp), cujo objetivo é fornecer informação relacionada com as medidas que têm vindo a ser tomadas para reduzir as imposições burocráticas no sentido de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e criar um melhor ambiente para as empresas, na qual se podem encontrar informações sobre diversas medidas tendentes a reduzir as burocracias na constituição, registo, certificação, liquidação, dissolução, fusão e cisão de empresas em Portugal.
Embora tal simplificação da constituição e funcionamento das empresas seja entendida por muitos como propiciadora de um contexto menos facilitador de comportamentos fraudulentos e corruptos, há também aqueles que entendem que ela pode gerar oportunidades para tais comportamentos. Na verdade, ao tornar mais flexível e volátil o ciclo de vida das empresas, sem que haja um incremento proporcional da fiscalização destes processos, fecha-se uma porta e abre-se uma janela à fraude e fenómenos associados.
Um exemplo particularmente relevante de iniciativas que podem abrir essa janela é o da recente alteração do capital social mínimo exigido para constituição de uma sociedade por quotas em Portugal. Entre outras coisas, o Decreto-Lei n.º 33/2011, de 7 de Março, aboliu o requisito de um capital social mínimo de 5 000 euros para constituir uma sociedade por quotas, passando o valor do capital social a ser definido livremente pelos sócios, sendo, no mínimo, 1 euro. A não exigência de capital social mínimo é considerada pelo Banco Mundial nos seus relatórios Doing Business (http://www.doingbusiness.org) como uma “boa prática” no que toca à facilitação da constituição de empresas. No relatório Doing Business 2012 a alteração ocorrida em Portugal em termos de exigência de capital social mínimo é tida como uma reforma positiva.
Não obstante, torna-se importante salientar que esta facilidade acrescida na criação de empresas, com o propósito de reduzir os chamados “custos de contexto” e encargos administrativos para as empresas, em particular esta supressão da exigência de capital social mínimo no caso das sociedades por quotas, pode conduzir ao exacerbamento da fraude e fenómenos associados, como é o das chamadas empresas “fantasma” e outras empresas inativas, as quais são criadas com o propósito da evasão fiscal e de exploração de oportunidades em paraísos fiscais. A existência de um capital social mínimo de montante razoável é muitas vezes justificada como sendo uma forma de proteger os investidores e os credores ou prevenir a criação de empresas por parte de empresários sem escrúpulos.
A este propósito, é também de sublinhar que alguns países nos quais existe um ambiente bastante favorável para a formação e operações das empresas não cederam ainda às pressões no sentido de suprimir a exigência de um capital social mínimo razoável. No mais recente relatório Doing Business, os países nórdicos aparecem muito bem classificados (entre 183 países): a Suécia em 14.º, a Finlândia em 11.º, a Noruega em 6.º e a Dinamarca em 5.º. Portugal aparece em 30.º. No entanto, todos aqueles países se encontram pior posicionados do que Portugal (que aparece em 26.º) relativamente à facilidade de criar uma empresa, para o que certamente contribui o facto de todos eles apresentarem montantes de capital mínimo bastante elevados (em percentagem do Rendimento Interno Bruto per capita, o da Dinamarca chega aos 25%). Relembre-se que estes países nórdicos ocupam 4 das 6 primeiras posições (entre 183 países) no Corruption Perceptions Index 2011 da Transparência Internacional, todos com uma pontuação de 9 ou mais numa escala de 10 pontos (correspondendo 10 à melhor situação possível) (http://cpi.transparency.org/cpi2011/results/). Quanto a Portugal, posicionou-se em 32.º lugar.
Relativamente à Suécia, diz-se no mais recente Global Competitiveness Report, relativo a 2011-2012, no qual aqueles países nórdicos aparecem muito bem classificados: a Suécia em 3.º, a Finlândia em 4.º, a Dinamarca em 8.º e a Noruega em 16.º (http://reports.weforum.org/global-competitiveness-2011-2012/), que as suas instituições públicas se caracterizam por serem de elevada qualidade, com níveis de eficiência, confiança e transparência muito elevados, apresentando este país níveis de corrupção e influência indevida muito baixos. O governo sueco é considerado como um dos mais eficientes, as empresas suecas primam pelo seu comportamento ético e os seus conselhos de administração funcionam bastante bem. Os outros países nórdicos têm características semelhantes. Distingue-os de países como Portugal, entre outras coisas, o baixo peso da regulamentação e a eficiência do sistema de justiça. Ou seja, caracterizem-se por uma elevada competitividade das instituições.
Não se pretende, com esta referência aos países nórdicos, demonstrar nada para além do facto de haver países nos quais parecem estar a ser seguidos caminhos para estimular a competitividade da economia diferentes do que está a ser seguido em Portugal, talvez mais interessantes e sustentáveis. No mínimo, parece que nesses países se tem procurado acautelar que ao se promover um ambiente mais favorável para a formação e operações das empresas não se propicie ao mesmo tempo um contexto mais facilitador de comportamentos fraudulentos e corruptos.