Carlos Pimenta, Visão on line,

1. Um sociólogo brasileiro criou uma situação hipotética: que responderiam anónimos cidadãos do fim século XIX se lhes perguntassem o que era previsível no século seguinte: (1) Pousará o homem na Lua? (2) Acabará a fome no mundo?
Seria de admitir que respondessem negativamente à primeira e afirmativamente à segunda. A história do século XX demonstrou, para vergonha da humanidade, exatamente o contrário.
2. Recuem ao tempo em que a África sangrou com uma desenfreada escravatura imposta pelos civilizados europeus. Famílias e povos destroçados, assassinados em nome da riqueza agrária em outras partes do mundo.
Admitam o tempo dos escravos já nascidos em escravatura, sem terra, bens, ou para onde ir, cuja sobrevivência dependia dos senhores. Admitam que então se fazia um referendo perguntando se eles queriam o que nunca conheceram: a liberdade. É muito provável que o resultado fosse negativo.
Por isso Samora Machel, “numa das reuniões preliminares para os Acordos de Lusaca (7 de Setembro de 1974), em resposta à exigência do General Spínola de haver um plebiscito para que o povo moçambicano opinasse se queria ou não a independência” respondeu “Não se pergunta a um escravo se quer ser livre” (João Schwalbach).
3. Quando se analisa a existência dos “paraísos fiscais” e as operações que neles são processados, argumentam uns que estamos perante um funcionamento da sociedade discriminatória e atentatória das condições de vida dos cidadãos do nosso planeta. Responderão outros, os beneficiários, que, sendo legal, deverão aproveitar da sua existência.
Responde João Pedro Martins. “Os paraísos fiscais são um projecto desenhado pelas elites do dinheiro para capturar o poder político e obter vantagens económicas. O colonialismo e a escravatura são coisas do passado, mas a influência silenciosa da alta finança e das multinacionais constitui a mão invisível da escravatura económica moderna” (“Suite 605”, pág. 192). Também “Houve uma época em que, por decreto, a escravatura e o apartheid eram práticas legais que beneficiavam de aceitação social por parte das elites. Em tempos não muito remotos, as mulheres não tinham acesso a exercer o direito de voto ou a frequentar o ensino público. A lei nem sempre significa justiça e liberdade, sobretudo quando aqueles que a elaboram são os seus principais beneficiários ou usam o poder de legislar para a obtenção de privilégios vedados aos restantes cidadãos” (pág. 189/90).
4. A liberdade de alguns é a ausência para outros. A igualdade é formal – também bem arredada nos tempos atuais – para que a realidade seja a sua negação. A fraternidade não é a esmola ao pobre, muito menos a guerra financeira e o crédito agiota. Assim andam os lemas da Revolução Francesa.
Não há a Democracia. Há democracias.
Justiça e lei, comportamento ético e atuação legal, binómios a questionar. O que hoje é considerado correto e o que será reconhecido como tal amanhã podem estar do mesmo lado do vale, ou separados por abismos rasgados pelas grandes transformações da história.
A fraude é uma violação da lei. Frequentemente não é julgada como tal se é cometida pelo Estado ou pelos donos do mundo. A fraude é uma violação da ética, julgada por todos, perdoada para muitos.
Vivemos uma época em que o amanhã pode não ser a continuação de hoje.
Qual será a fronteira ética de amanhã?
Ajudem-me a responder, que eu não sei.