João Gomes, Visão on line,
Analisando diversos estudos (e.g. [1],[2], entre outros) constata-se que é internacionalmente aceite que, nas organizações dedicadas aos cuidados de saúde, nos sectores público e privado, 3 a 10% do orçamento do orçamento é perdido para o risco operacional “Fraude”. A título de exemplo, se efectuarmos este cálculo para a despesa com medicamentos indicada no Orçamento de Estado de 2010 (2500 milhões de Euros) constatamos que o potencial de perdas para fraude - apenas com medicação - rondará os 250 milhões de Euros. Se, por outro lado, considerarmos as estimativas do National Health Service do Reino Unido, que indica que a taxa de fraude no serviço de saúde público (do Reino Unido) ronda os 6% do orçamento, isso representaria para Portugal uma perda anual de 150 milhões de Euros, novamente apenas na prescrição de medicamentos.
Em tempo de pressão económica, importa, naturalmente, racionalizar os investimentos. Constata-se que as organizações estão neste momento preocupadas em cerrar fileiras e focar-se nas suas prioridades, cortando a direito em custos supérfluos. A falácia, na minha opinião, está em encarar-se o combate à fraude como um custo. Em rigor, é a fraude que representa um custo, ao qual não está associado qualquer tipo de retorno.
O combate à fraude, por oposição, é um investimento, por implicar custos marginais face ao potencial de recuperação de perdas resultantes da inacção ou da ineficácia. Se, para estimar as perdas anuais de uma organização, considerarmos o intervalo padrão de 3 a 10% do orçamento, constatamos que o valor em risco é demasiado elevado para não agir. No caso de 6% dos custos com medicamentos em 2010, são 150 milhões de Euros que não serão aplicados para fornecer saúde, educação, cultura, justiça ou qualquer outro serviço; vão ser apropriados por criminosos. Note-se que os 10% não são necessariamente um limite superior: nos E.U.A, o Tax Policy Center estima que as perdas de receita de IRS rondem os 16% (USD 345 mil milhões).
Sumarizando, para clarificar: 250 milhões de euros que “desaparecem” do orçamento sem produzir qualquer resultado são um custo. Melhor: uma perda. Uma fracção desse valor, que seja empregue para produzir controlos e/ou iniciativas para evitar ou recuperar perdas, é um investimento.
Não agir cria ainda um novo problema: o sentimento de impunidade. A maioria das fraudes começa por ser uma pequena tentativa, no sentido de testar os controlos. Se não for levantado um alerta, o método continua a ser empregue, aumentando o volume ou o valor (ou ambos) da fraude e escalando a frequência das ocorrências.
Optando-se por não ignorar o problema – segundo a PWC, 52% das instituições públicas do Reino Unido admitem ter sido vítimas de fraude em 2009 – importa ressalvar que este tem uma solução simples. Se forem fiscalizados todos os intervenientes num processo vulnerável a práticas de fraude, é quase garantido que o valor perdido vai ser recuperado. Isto, no entanto, implicaria fiscalizar todos os utentes, fornecedores e colaboradores envolvidos na prescrição e obtenção de medicamentos, para manter o exemplo do Serviço Nacional de Saúde. Uma acção desta natureza é, claramente, financeiramente incomportável, pelos recursos que envolve.
A solução para esta questão passa por seleccionar, de forma informada e científica, os participantes a fiscalizar. Uma forma trivial de fazê-lo é seleccionar uma amostra aleatória com a mesma dimensão do número de acções de fiscalização que se consegue realizar, uma técnica pouco eficiente. Uma optimização a este método é utilizar o conhecimento ganho da investigação de fraudes anteriores para seleccionar casos anómalos; ou seja, usa-se informação e conhecimento para calcular o risco associado a cada caso e fiscalizam-se os casos de maior risco. O método mais eficaz, na minha opinião, consiste em combinar as abordagens elencadas, optimizando-as com recurso ao conhecimento das dinâmicas tradicionais da prática de fraude, e.g. quem comete tem elevada probabilidade de já o ter feito no passado, idem para quem tem vínculos com perpetradores conhecidos. Esta combinação de métodos permite combinar a eficácia e eficiência de técnicas sofisticadas de detecção de risco com o efeito dissuasor das fiscalizações aleatórias, favorecendo a racionalização de custos de fiscalização sem sacrificar a recuperação de valores perdidos para fraude. É, aliás, expectável que o valor da recuperação aumente, acompanhando o incremento de eficiência da detecção de risco.
Dado que a prática de fraude é um fenómeno altamente dinâmico, com modus operandi que evoluem constantemente para evitar os métodos de detecção (eventualmente) empregues. Desta constatação decorre também que o combate à fraude deve ser uma preocupação constante, operacionalizada num programa cíclico e orientado por uma estratégia flexível, ágil e de longo prazo. Esta abordagem opõe-se ao método tradicional de planear e executar grandes projectos que só produzem resultados - caso os produzam - depois de decorrido muito tempo e investido muitos recursos. O pragmatismo é fundamental, pelo que a abordagem ideal consiste em executar iniciativas de curta duração e altamente focadas em problemas concretos, com o objectivo de, periodicamente, avaliar resultados e realinhar estratégias.