Nuno Moreira, Visão on line,

1. Com maior ênfase na última década, podemos constatar que tem vindo a ser questionado amiúde o real valor de uma auditoria, como resultado das sucessivas fraudes e escândalos financeiros, um pouco por todo o mundo, com repercussões nos mercados de capitais, na confiança dos seus investidores mas também, e sobretudo, na nossa sociedade. Mais recentemente, a própria crise financeira internacional em que muitos bancos acabaram por reconhecer grandes perdas financeiras no que respeita a posições que detinham dentro e fora do balanço em determinados períodos, levanta a questão de saber como é que os auditores puderam emitir relatórios de auditoria completamente "limpos". Poderemos falar em "falhanços" da auditoria ou são apenas situações onde a auditoria "tradicional", pela sua própria vocação e orientação, não chegou lá?
2. Desde já, e no entretanto, podemos afirmar sem grande margem de erro que a função de auditoria já saiu disto tudo algo "beliscada". Inequivocamente, tem vindo a aumentar o gap entre aquilo que é esperado da função de auditoria e aquilo que ela tem efectivamente proporcionado no âmbito do seu mandato social. Atenta a isto mesmo, a Comissão Europeia toma uma vez mais a iniciativa e lança um oportuno Livro Verde - Audit Policy: Lessons from the Crisis - o qual colocou à discussão pública até ao início do passado mês de Dezembro. Este livro verde levanta um conjunto muito abrangente e pertinente de questões, entre as quais, sobre o próprio "Papel do Auditor". É de congratular a Comissão Europeia pela iniciativa e cumulativa disponibilidade para liderar o debate a nível internacional sobre a âmbito e a função de auditoria, necessários ao contexto actual dos mercados financeiros e realidade socioeconómica.
3. Fazendo aqui algumas considerações acerca das questões levantadas no Livro Verde, no âmbito do referido "Papel do Auditor", é interessante, a título preliminar, ver o que é referido e/ou assumido no próprio documento colocado à discussão. Podemos constatar desde logo que é assumido expressamente que a auditoria tem limitações e que as partes interessadas poderão não ter conhecimento delas, a saber, a materialidade, o uso de técnicas de amostragem, o papel do auditor na detecção de fraudes e responsabilidades da gerência.
No meu entender, a comunicação com o exterior tem sido deficiente. Creio que tem havido receio de explicar adequadamente aos utilizadores da informação financeira a metodologia utilizada numa auditoria e, sobretudo, as referidas limitações do trabalho e subjacente segurança "razoável" (e não absoluta) proporcionada.
Porquê este receio? Ao ler o contributo dado pela nossa Comissão Nacional de Supervisão de Auditoria (CNSA), na sua resposta à questão nº 5 levantada no Livro Verde, percebemos: "…a explicitação da metodologia não deverá levar à percepção de que uma auditoria possa não acrescentar credibilidade à informação financeira prestada, por demasiado enfoque nas limitações ou por risco de menor percepção de compromisso no resultado final".
4. Naturalmente, com algum bom senso na comunicação a adoptar com o exterior, não deve haver receio de falar nestas limitações. Isto porque, se nada for dito e explicado, a descredibilização da auditoria será muito mais provável. Algo tem que ser feito no sentido de melhorar a percepção do valor acrescentado de uma auditoria.
Além de melhorar a visibilidade da metodologia de um trabalho de auditoria, outra opção pode e deve ser tomada; como alternativa ou conjuntamente.
Para determinado tipo de Organizações, a auditoria deve ponderar seriamente o alargamento do seu âmbito e das suas responsabilidades. E, sempre que o fizer, também os seus pressupostos e metodologia terão que ser ajustados. Concretamente, parece-me uma boa opção em termos estratégia futura para a função de Auditoria o seguinte:
"Sempre que estiver em causa um trabalho de auditoria a desenvolver numa empresa cotada, no sector financeiro, no sector segurador, em grandes empresas públicas, etc., ou seja, nas denominadas "Entidades de Interesse Público", a equipa de auditoria deveria obrigatoriamente integrar um especialista em fraude, devidamente reconhecido e certificado (Fraud Examiner ou Forensic Accountant). De salientar que, as actuais normas de auditoria internacionais, já "autorizam" e recomendam mesmo, sempre que aplicável, o uso destes especialistas (Forensics). No essencial, o trabalho desenvolvido por estes especialistas seria uma extensão ou complemento do trabalho de auditoria, colmatando significativamente as limitações de uma auditoria "tradicional". Sendo, desta forma e em grande parte, as limitações mitigadas, este facto, não deixaria também de eliminar os receios de produzir relatórios de auditoria mais abrangentes e pormenorizados (long form reports). Esta opção, seria um elemento-chave para aumentar a eficácia de uma auditoria nestas entidades e, consequentemente, restabelecer a confiança nos e dos mercados, reduzindo também o gap de expectativas entre os diferentes stakeholders.
5. Por outro lado, nas outras entidades, de menor dimensão (essencialmente PME´s), obrigadas por lei a proceder à sua revisão oficial de contas, a relação custo/benefício do uso de especialistas de fraude não seria, certamente, favorável e, consequentemente, não faria sentido; o próprio "interesse público" destas entidades existe mas é, naturalmente, menor. Já no que respeita à comunicação com o exterior (relatórios de auditoria), deveria também aqui haver um esforço para a melhorar. Neste tipo de entidades, é evidente que uma auditoria continua a proporcionar uma maior credibilidade da informação financeira. No entanto, fazendo o confronto deste benefício com os respectivos gastos administrativos, pode não ficar tão claro a utilidade da mesma. Aqui a auditoria, através de um relatório ajustado, do tipo long form, poderia transcender o seu contexto habitual e pronunciar-se, por exemplo, acerca do risco de insolvência, numa vertente prospectiva; afinal o auditor tem acesso a informação privilegiada de suporte a este tipo de análises. Para citar apenas este exemplo, na nossa realidade portuguesa seria um contributo assinalável se isto fosse feito de forma atempada pelos auditores. Não é de ignorar a realidade de mais de uma dezena de insolvências por dia em Portugal, parte delas obrigadas a revisão oficial de contas. Estando a ser questionado a nível europeu o valor acrescentado de uma auditoria "tradicional" em entidades mais pequenas, não será este um bom exemplo de como a auditoria poderia tornar mais visível a sua utilidade neste tipo de entidades?
"É chegada a altura de avaliar o real desempenho desse mandato social"
(GREEN PAPER - Audit Policy: Lessons from the Crisis)