José António Moreira, OBEGEF
Às vezes, com médicos menos subtis, quase que se consegue sentir o barulho da “caixa registadora”, a faturar, à medida que a prescrição de exames se sucede
O leitor certamente já marcou uma consulta médica num dos hospitais (ou clínicas) privadas que proliferam pelo país. Por que não o deveria ter feito? Contorcido com dores, ou com um mau estar difícil de suportar, um telefonema de breves minutos permitiu-lhe a marcação do ato para esse dia, com um médico especialista que muito provavelmente – pelo menos assim esperava – lhe poderia devolver o bem-estar que tão ardentemente ambicionava. Idêntica consulta no SNS – Sistema Nacional de Saúde, com um especialista, levaria meses a agendar. No limite, o melhor que por este lado poderia ter conseguido era levantar-se às 3 horas da manhã, ir para a porta do posto médico guardar vez até que ele abrisse e, se tivesse sorte, obter uma consulta nas “vagas” do dia com o clínico geral de serviço.
Acresce que, possuindo um subsistema de saúde, público ou privado, o custo que lhe será cobrado no setor privado é, no limite, idêntico ao que lhe cobrariam no setor público. O incentivo para optar pela primeira solução é, portanto, inegavelmente mais forte do que o segundo.
Porém, ao frequentar uma dessas consultas, já se terá apercebido que quase sempre o médico que o consulta raramente abre a boca para efetuar um diagnóstico. Pelo contrário, abre-a para lhe dizer que terá de se submeter a este, aquele e aqueloutro exame auxiliar de diagnóstico. E quase sempre o aconselha a fazer os exames na unidade hospitalar onde está a ter a consulta porque será mais rápido obter os resultados, até porque a próxima consulta poderá ter lugar mesmo antes de os exames serem comentados e existir um relatório elaborado pelo médico responsável pela aplicação do meio auxiliar de diagnóstico.
Às vezes, com médicos menos subtis, quase que se consegue sentir o barulho da “caixa registadora”, a faturar, à medida que a prescrição de exames se sucede. Mas o leitor não se importa grandemente com tal barulho, porque o seu subsistema se encarregará de pagar o grosso da fatura. O que lhe caberá será de modesto valor. E como nestas coisas de saúde não se deve poupar, e sente que paga muito para esse subsistema, fica com a consciência tranquila, assinando a fatura final sem sequer pestanejar.
O que o leitor possivelmente nunca terá pensado é que o comportamento do médico – com honrosas exceções – é fruto dos incentivos que a unidade hospitalar lhe propõe. Pela consulta, ele pouco receberá, porque o preço que essa unidade cobrará ao subsistema de saúde é relativamente modesto. Mas receberá percentagem em todos os exames prescritos que sejam efetuados na unidade, e por eventuais internamentos e operações que consiga efetuar. Daí virá a parte mais substancial da sua remuneração como médico avençado.
Tudo gira, pois, em torno dos incentivos em presença. Deles resultam para os médicos comportamentos que não se poderão denominar de fraudulentos, mas que serão, sem margem para dúvida, pouco éticos. Para os doentes, o incentivo é para não se preocuparem com o custo total do tratamento porque, na prática, o que têm diretamente a pagar é apenas uma pequena fração do custo total do mesmo.