Paulo Vasconcelos, Visão online,

 

O Estado Islâmico do Iraque e da Síria – EIIS (ISIS acrónimo em inglês) funciona por intimidação e aterrorização. Fá-lo cá como o faz lá. Mortes, mutilações em praça pública para darem o exemplo: são uma fraude civilizacional.

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Estamos ou não em guerra? Será que estivemos sempre? Uma guerra entre religiões? Não, uma guerra colocada nestes termos é uma fraude.

Mas, sim estamos em guerra com grupo ou grupos de radicais que se apropriam de interpretações deslocalizadas e extemporâneas de textos religiosos. Estamos em guerra com grupos que canalizam muitas vontades, frustrações e estupidez.

O Estado Islâmico do Iraque e da Síria – EIIS (ISIS acrónimo em inglês) funciona por intimidação e aterrorização. Fá-lo cá como o faz lá. Mortes, mutilações em praça pública para darem o exemplo: são uma fraude civilizacional. O ISIS é o portador do apocalipse, estranhamente embebido em textos primitivos do islão, desenquadrados, deslocalizados e fora de tempo. O discurso inflamado é suportado em fundamentos jurídicos e religiosos, dando “proteção” a quem está sob a sua tutela. Este conceito de bando atrai pessoas do médio oriente mas também ocidentais carentes de algo, insatisfeitos e que se sentem marginalizados pela sociedade que apregoa o sucesso e não tem lugar para o insucesso.

É verdade que a esmagadora maioria dos muçulmanos rejeita o Estado Islâmico, mas terão também de ser mais veementes no seu repúdio. Muita da dificuldade de esclarecimento reside em questões culturais e religiosas. Nesta zona do mundo as leis são baseadas na religião, nas escrituras sagradas e nas mensagens dos líderes religiosos. No ocidente há separação entre estado e religião, e as guerras religiosas terminaram há muito, o que torna mais difícil equacionar e entender todo o fenómeno. No entanto ainda há 50 anos em Portugal, se confundia muitas vezes, e propositadamente, a religião com o estado. E se se recuar ainda mais, bastariam dois a três séculos para experienciar a inquisição em Portugal, instituída em 1536 e extinta formalmente apenas em 1821. Esta fase negra tem que ver com a religião? Diria que não. Tem antes que ver com a utilização abusiva, distorcida e premeditada da religião em prol de poder e de controlo.

Mas o ocidente tem também grandes responsabilidades. A primeira guerra mundial na verdade nunca acabou, referem-no muitos historiadores... Em 1918 o Império Otomano foi partilhado. A França “ficou” com a Síria e o Líbano. O Reino Unido (também complexo pois de Reino tem pouco e de Unido muito menos, nem entre si nem com os parceiros europeus) “ficou” com o Iraque, Palestina e Jordânia (acordo Sykes-Picot). Mas já no final do século XIX o Reino Unido e Alemanha dominavam grande parte do médio oriente, explorando rotas comerciais e o petróleo. O norte do Irão foi ocupado pelo Império Britânico e pela União Soviética. Alguns destes países, na dependência das potências mundiais, foram conseguindo algum desenvolvimento, sempre centrados em lideranças fortes que tomaram o poder pela força. Foi no Irão em 1979 que surgiu a chamada revolução islâmica. Esta revolução foi liderada por um ex-exilado em França, o Aiatolá Khomeini. A Al-Qaeda e o seu líder Bin-Laden, o Califado Estado Islâmico e o seu califa Abu Bakr al-Baghdadialifa, são emersões mais recentes e outras se seguirão certamente… Da administração americana, que ora invade, deixando ódio, ora retira, deixando o vazio para fácil expansão destes movimentos radicais. Os ocidentais, uns imperialistas outros colonizadores e outros polícias do mundo, têm responsabilidades passadas, presentes e futuras com certeza. Muitos dos povos da região têm impregnado um sentimento da menorização resultante de subjugação desde a época das cruzadas.

Em junho de 2015 houve já uma onda de atentados na Europa, Magrebe e Médio Oriente. Os alvos não foram a símbolos mas pessoas comuns. Tal como o foi sexta-feira 13 de novembro e como, espero estar enganado, será outro dia num outro qualquer lugar. A guerra não é entre ocidente e islamismo. Há chacinas em Paris assim como as há em Mossul. O problema não se resolve sem a colaboração e combate dos próprios muçulmanos.

Terroristas,
“Almas vencidas
Noites perdidas
Sombras bizarras
Canta um rufia
Choram guitarras
Amor ciúme
Cinzas e lume
Dor e pecado
Tudo isto existe
Tudo isto é triste
Tudo isto é fado”

 É assim que versa a letra da música “Tudo isto é fado”, composição de Fernando de Carvalho, em parceria com Aníbal Nazaré, para Amália Rodrigues. Mouraria, na música, refere-se à zona em Lisboa. Mas Mouraria pode referir-se a Mossul, a uma zona no Iraque ou Síria.

Termino como termina a música:

“O fado é tudo o que digo
Mais o que eu não sei dizer.”