José António Moreira, OBEGEF

 

“Mas vocês comprariam um produto a uma empresa sabendo que ela não iria pagar o imposto devido ao Estado?”

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Já não me lembro do que despoletou a pergunta que fiz aos alunos, recém-chegados à Faculdade, no decorrer de uma aula. Foi há poucos dias. Estava relacionada com algum tipo de cálculo que surgiu no decurso daquela.

“Vocês estão a frequentar uma unidade curricular de cálculo financeiro … Digam-me lá então, sem recurso a máquinas, nem telemóveis. Só cálculo mental. O que vos é mais favorável? Que vos vendam um produto sem o valor do IVA, cuja taxa é 23% - como a Rádio Popular faz de vez em quando – ou que vosfaçam um desconto de 20% sobre o preço do produto?”

Como seria de esperar de respostas dadas “a quente”, sem o mínimo de ponderação prévia, a escolha que propunham não era a mais adequada em termos financeiros.

“Mas então expliquem-me por que razão preferem essa solução?”

As respostas foram diversas, em termos de fraseologia, mas no essencial preponderou um argumento: porque desse modo não se paga imposto ao Estado.

“Mas será isso legal?”

Dos alunos que prosseguiam na conversa – alguns tinham “ficado pelo caminho”, talvez por sentirem que eu ainda não tinha caucionada a resposta que haviam dado inicialmente –, ninguém queria saber se era legal ou não. Era vantajoso para eles, a culpa do não pagar impostos seria da empresa.

“Mas vocês comprariam um produto a uma empresa sabendo que ela não iria pagar o imposto devido ao Estado?”

Mais alguns alunos emudeceram. Os poucos que ainda permaneciam ativos encolheram os ombros e mantiveram o argumento de que a culpa não seria deles, portanto não poderiam ser responsabilizados. E como era mais vantajoso, comprariam o produto.

Optei por não “esticar mais a corda”. Fiz silêncio por uns momentos, deixei que esse silêncio contagiasse a sala, e só depois me propus encerrar o caso.

“Como cidadão, para mim não é de todo agradável sentir que alguns dos presentes estariam dispostos a adquirir um produto mesmo sabendo que quem o vende não irá pagar o imposto devido ao Estado. Cívica, social e legalmente é um comportamento reprovável. Mas passemos adiante. Não é menos grave ter alunos que, frequentando uma Faculdade com tradições em matérias de natureza quantitativa, se deixam atrapalhar com um cálculo tão simples.”

O silêncio imperava. Peguei no giz e sem dizer qualquer palavra rascunhei os resultados dos dois cenários lado a lado, para um produto hipotético com preço de 100 euros.

“Se lhes oferecerem o IVA do produto, significa 18,7 euros de desconto. Se lhes oferecerem 20% de 100 euros significa 20 euros. Certo?”

Não houve comentários.

“Quando vocês não pagam um imposto, alguém tem de o pagar por vós. Quando vocês não pedem uma fatura justificativa de uma compra, alguém tem de pagar o imposto que deixará de ser arrecadado. Como cidadãos, utilizadores dos serviços fornecidos pelo Estado, é nosso dever pugnar para que cada um pague o que lhe compete.”

Terminei.

“Porém, não fique a ideia de que a empresa que nomeei, a que propõe esse tipo de descontos baseado no IVA, não paga o imposto. Paga. Depois de efetuar o desconto, os referidos 18,7 euros, recalcula o valor do imposto incluído no preço líquido do desconto. No fim, a poupança do comprador é suportada pela empresa, que vende o produto mais barato, e pelo Estado, que arrecada um pouco menos de imposto por via da redução do preço do produto.”

Há dias assim. As aulas tomam um rumo inimaginável quando, previamente, procedi ao alinhamento prévio das matérias. São aulas interessantes.