Pedro Santos Moura, Visão on line,

"Cresceu em 2010 o número de casos de fraude registados no Reino Unido: 314 incidentes relatados (valor total de 1,374 biliões de libras). É o nível mais alto, jamais registado nos 23 anos do Barómetro da Fraude da KPMG. Significou um aumento de 16 por cento em relação ao ano anterior (271). «As empresas tentando sobreviver e os indivíduos procurando manter o seu nível de vida por quaisquer meios, contribuíram, sem dúvida, para o aumento dos valores – esses mesmos grupos vulneráveis terão sido presas fáceis de criminosos profissionais", em Public purse raided as UK hit by record fraud levels, ‘http://rd.kpmg.co.uk/24595.htm’
O actual mau estado da conjuntura económica (mundial e nacional) coloca uma maior pressão no factor ‘Motivação’ para a perpetração de actos fraudulentos. Com efeito, recordando-se o célebre ‘triângulo de fraude’, esta acontece quando há uma Motivação, quando se percebe um Oportunidade de fazer fraude sem se ser apanhado, e quando se consegue Racionalizar o próprio acto pessoal cometido.
Com o aumento do desemprego, do custo de vida e com a diminuição do acesso a crédito aumenta também a perda de poderio económico por parte de pessoas particulares, desde casos em que um certo estilo de vida é posto em causa, até casos mais graves que podem mesmo roçar limiares de pobreza.
Para as pessoas colectivas (empresas e seus responsáveis) as dificuldades no acesso a crédito, a redução generalizada do consumo (excepto nos produtos de luxo) e o aumento da carga fiscal, a par das enormes pressões para resultados (sustentados ou não), a Motivação para práticas menos correctas de negócio vê-se também a aumentar.
Neste contexto, é fundamental para quem se preocupa com a temática da fraude (em combatê-la, claro está) ter em conta a dinâmica cultural, social e económica. Estes tempos tornam o factor ‘Motivação’ numa variável difícil de controlar, dadas as dificuldades generalizadas. Controlar variáveis macroeconómicas, especialmente no mundo intrincado e interdependente em que vivemos, torna-se numa tarefa quase impossível, mesmo se nos ativermos somente a um ambiente controlado como uma empresa. Assim, mais que nunca importa que o foco dos esforços de combate à fraude seja colocado na mitigação do vértice ‘Oportunidade’, ou seja, em demonstrar que quem queira fazer fraude (tenha as melhores ou as piores Motivações para tal) corre um risco de ser apanhado que não compensa as possíveis recompensas de perpetrar o acto.
Fraude: Custos Afundados ou Investimento
Outro tópico que aproveito para abordar brevemente, tem a ver com a noção de Dilema de Custos Afundados (http://en.wikipedia.org/wiki/Sunk_cost_dilemma), que na prática versa sobre casos em que já tendo havido um forte investimento de recursos num dado ‘projecto’ com más perspectivas de rentabilidade, se continua a investir no mesmo na expectativa que a situação melhore. Este dilema tipicamente resulta em decisões do género ‘já investimos tanto nisto que agora não podemos simplesmente abandonar o investimento e enveredar por outro caminho’. Este dilema pode-se aplicar à temática do combate à fraude, com uma ligeira adaptação: assume-se em muitos casos que que x% da margem de uma dada actividade serão perdidos para fraude, erros ou abusos. Este ‘pressuposto’ leva ao pensamento de que o investimento que se poderia fazer no combate a este tipo de fenómenos é desnecessário, visto já se ter assumido, prospectivamente, as perdas.
Este tipo de pensamento, por muito absurdo que possa parecer, está bem presente na cultura de muitas empresas, e mesmo de muitas culturas. Neste aspecto, mais uma vez, vê-se bem algumas diferenças essenciais entre, por exemplo, a cultura latina e a cultura anglo-saxónica. Atente-se ao seguinte excerto retirado de uma notícia no seguimento do artigo supracitado: “Na verdade, o Governo do R.U. irá disponibilizar £900m [€1.080M] (durante o período de revisão de gastos) para melhorar a cobrança de impostos e assim combater a evasão fiscal. Com essa medida, o governo estima cobrar, em receitas fiscais, £7000m [€8.400M] por ano, no período 2014-15, adicionais.” ( in No surprises as fraud rockets in 2010),
Portugal não tem a dimensão do Reino Unido, obviamente. Mas se dividirmos os valores acima por 9 (aproximadamente o rácio entre o PIB Português e o PIB do Reino Unido) e convertermos para Euros ficamos com uma melhor noção (hipotética) do que aqui falo: um cenário em que o Estado Português investiria num programa anti-fraude cerca de 120 milhões de euros para recuperar cerca de 930 milhões de euros por ano de receita fiscal perdida (estima-se que, por ano, se perde para fraude fiscal cerca de 10% das receitas previstas, o que a números do OE2011 daria para cima 3 mil milhões de euros somente 2011).
Ou seja, e concluindo, não se pode assumir, de forma nenhuma, a Fraude como um Custo Afundado. O Combate à Fraude, mais que intenções políticas tem que se considerar como um investimento de pleno direito.