José António Moreira, Visão on line,

São poucas as vezes em que tenho oportunidade de me deslocar a Paris. Por isso, quando tal acontece, há sempre motivo para recolher algumas fotos de recordação, que ajudem a ilustrar, junto da família e amigos, a história da viagem.
Na mais recente visita, debruçado numa das pontes do Sena, no centro de Paris, em pleno processo de recolha de uma dessas fotos, fui abordado por uma mulher ainda jovem, de lenço na cabeça e saia sob o comprido. Disse-me que tinha acabado de encontrar uma aliança de ouro - e ostensivamente mostrava-ma, grossa e brilhante -, e que ma queria dar. Face à minha recusa em a receber, sob a desculpa de que não era minha, ela pressionava para que eu a aceitasse pois, dizia, também não era dela. E para ser verdadeiramente convincente mostrava, testando a aliança, que esta era demasiado larga para o respectivo dedo anelar. Sem ser hostil para com ela, continuei inamovível na minha decisão, recusando-me a receber a aliança. Ela ainda insistiu mais uma vez ou duas vezes. Quando me comecei a afastar, a mulher, face ao insucesso da investida, teve de concluir que o "negócio" dessa vez falhara. A frustração que terá sentido veio ao de cima sob a forma de insultos, que nem o meu enferrujado domínio da língua francesa evitava perceber em toda a sua profundidade.
Não foi difícil de perceber, desde o primeiro momento, que se tratava de uma versão adaptada do velhinho "conto do vigário". Tendo em consideração que hoje em dia a tendência é para se manusear "dinheiro de plástico", raras sendo as situações em que alguém transporta consigo em "cash" mais do que o necessário para fazer face às despesas correntes mais imediatas, a aliança substituía com vantagem, em termos de consistência da história, o tradicional "maço de notas" embrulhado em jornal.
É incrível como um esquema fraudulento tão simples como o descrito sobreviveu ao passar do tempo, adaptando-se, para continuar a fazer vítimas. Além disso, poderia pensar-se que só os "pacóvios" nacionais seriam propensos a cair em tão inocente esparrela e, portanto, só por estes lados ela poderia ser encontrada. Engano, pois encontra-se espacialmente disseminada muito para além das nossas fronteiras.
Veja-se o caso acima referido. Comprove-se consultando o sítio na Internet do FBI - Federal Bureau of Investigation, nos Estados Unidos. Aí, na rubrica dos "Advance Fee Schemes", o tradicional "conto do vigário" aparece listado em lugar de destaque entre um vasto conjunto de esquemas fraudulentos para os quais os cidadãos deverão estar prevenidos (http://www.fbi.gov/scams-safety/fraud). Mas o FBI vai mais longe do que meramente elencar e descrever alguns dos principais esquemas conhecidos. A agência oferece dicas que o cidadão pode seguir para se proteger dos mesmos.
Períodos de crise, como os que temos pela frente, são difíceis para todos. Não só para os cidadãos honestos, mas também para os cidadãos que vivem de esquemas fraudulentos como o referido. Por esse motivo, tais períodos são particularmente propensos ao recrudescimento deste tipo de "ofertas", nas suas múltiplas variantes.
Devendo ter sempre presente que ninguém dá nada a ninguém sem requerer algo em troca, cabe a cada cidadão, em cada momento, usar da clarividência necessária para se aperceber das "ofertas" que são de recusar, isto é, das que são boas de mais para serem verdade. Aliás, é esta a ideia principal que o FBI utiliza para instruir os frequentadores do seu "sítio", ao referir que "se uma 'oferta' parecer boa de mais, provavelmente é-o".