Carlos Pimenta, Visão on line,
"(…) em Portugal [n]ão é corrupto quem quer. É preciso saber fazer as coisas bem feitas e seguir a tramitação apropriada. Não é acto que se pratique à balda, caso contrário o tribunal rejeita as pretensões do candidato. "Tenha paciência", dizem os juízes. "Tente outra vez. Isto não é corrupção que se apresente." (Ricardo Araújo Pereira, "Este país não é para corruptos", Visão)
1. Um dia especialmente dedicado à luta contra a corrupção tem uma raiz sólida: comemora o dia em que os primeiros países assinaram, em 2003, a Convenção da ONU contra a Corrupção, a qual foi aprovada por Portugal em 2007.
Qual dos ditados populares se aplicará nesta situação "Em casa de ferreiro espeto de pau" ou "Depois de casa roubada trancas à porta"? Provavelmente os dois.
Os optimistas dirão que a existência de um dia internacional contra a corrupção tem a inolvidável vantagem de nos obrigar um dia por ano a pensar que a corrupção existe, que ela prejudica todos os cidadãos - menos os envolvidos na tramóia - e corrompe a democracia. Os pessimistas argumentarão que ficam 364 dias para continuar a corromper, fingir que "o rei não vai nu", e continuar a manipular com a consciência tranquila.
Provavelmente os corruptores e os corrompidos (artistas do suborno, das gratificações ilegais ou da extorsão) podem ser optimistas ou pessimistas, mas a esmagadora maioria dos cidadãos só podem ser ou resignados perante tais vilanias ou cidadãos de corpo inteiro dispostos à luta contra práticas sociais que agravam as desigualdades económico-sociais, que geram subdesenvolvimento, que deterioram a democracia.
Cidadãos que não aceitam que se confunda alguns usos e costumes tradicionais reflectidos pela nossa ruralidade - "pedir ao amigo do nosso amigo para" - com as grandes corrupções associadas à economia ilegal, à ruptura com a ética e a responsabilidade social, à ditadura do dinheiro, ao branqueamento de capitais, ao crime de colarinho branco e à criminalidade organizada.
Para muito de nós, o dia tem 365 dias de luta contra a corrupção. O dia 9 de Dezembro apenas nos acrescenta o calor da solidariedade internacional nesta batalha comum.
2. Corrupção, mas não só. Aquela é a ponta visível do imenso mundo encoberto. Se ela própria gera recursos à margem de qualquer registo, operações em praças financeiras offshore completamente opacas a qualquer investigação, branqueamento de capitais, ela também é o resultado de tudo isso. A fuga ao fisco pode ter canais privilegiados de informação, especialistas do arquivamento e da caducidade e investigadores de vistas curtas. As actividades legais pelo seu objecto mas ilegais pela forma como se realizam podem ter fiscais desatentos, regulamentos esquecidos, centros de decisão sensíveis a dinheiro inesperado e sem trabalho. As actividades ilegais decorrem nas malhas da sociedade aberta e democrática em que vivemos pelo que precisam de ter cumplicidades, amizades que se compram, informações prodigiosas, cegueiras e surdezes milagrosas. A criminalidade internacional sabe como comprar favores, manipular pessoas, continuando a ser "o polvo". A corrupção emerge nestas múltiplas situações, metamorfoseia-se e reproduz-se como vírus mortal.
Se muitas formas de corrupção assumem a forma simplista de uma relação monetária entre indivíduos provavelmente algumas das mais importantes não se manifestam de forma tão ingénua. Envolvem organizações, formas de compensação diversa, financiamento aos partidos políticos.
3. A corrupção tem uma natureza sistémica.
Por isso, o Observatório de Economia e Gestão de Fraude decidiu comemorar o Dia Internacional Contra a Corrupção com a apresentação pública de um Índice da Economia Não Registada, um indicador, em percentagem do Produto Nacional, da evolução das actividades que não figuram na contabilidade social, nos dados oficiais.
Os dados são preocupantes: no mínimo, a economia sombra é um quarto do Produto Nacional e a tendência ao longo dos anos é de aumento.