António João Maia, Visão on line,

Com a globalização os modelos de adaptação cultural começaram a cruzar-se uns com os outros.

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O mundo tem assistido atónito e incrédulo, nas últimas semanas, a notícias acompanhadas de imagens horrendas de jornalistas norte-americanos a serem barbara e brutalmente assassinados em nome de uma ideologia, cujos argumentos, dada a brutalidade dos atos em si mesmos, nos escapam – só nos podem escapar!

Não há nenhuma razão ou argumentação (NENHUMA!) que possa justificar a prática de qualquer ato bárbaro, como aqueles a que me refiro, e a todos os outros que o mundo tem assistido nas últimas décadas, alimentados, sob as mais diversas formas, em nome de ideologias, de credos, de modelos de desenvolvimento económico, de expansão de mercados, enfim de tantas e tantas razões, algumas delas mais teóricas do que efetivas…

Se há coisa que as ciências antropológicas ensinam é que não existem culturas boas, nem culturas más. Nem sequer que existam culturas melhores ou culturas piores, simplesmente porque uma cultura – seja ela qual for – é o resultado de um processo de sedimentação milenar de ajustamento de um povo às condições a que se encontra sujeito. E se inicialmente esse ajustamento procurava salvaguardar a sobrevivência dos elementos do povo, à medida que o processo foi ficando mais consolidado, mais robustecido e mais garantido – graças às tecnologias entretanto desenvolvidas – o estado de sobrevivência deixou de ser uma necessidade premente em si mesma e deu gradualmente lugar a uma procura de melhores índices de bem-estar, de qualidade de vida e de conforto.

Mas este processo, que na forma – a procura de sobrevivência e depois de bem-estar – parece ter sido semelhante em todos os povos, na prática, ou seja na forma como se tem consubstanciado o seu conteúdo, difere de povo para povo.

Por isso temos, ao mesmo tempo, povos com distintos modelos de evolução cultural. Todavia essa distinção não é mais nem menos do que a evolução do processo de adaptação que cada um foi construindo. E é por esta razão que não podem – nem devem – fazer-se avaliações nem comparações entre soluções de adaptação cultural. Cada solução de adaptação traduz simplesmente a forma mais adequada que cada povo conseguiu encontrar para satisfazer as suas necessidades face aos desafios a que se encontrou e encontra exposto. Por isso se diz que cada solução cultural tem uma coerência interna própria, que só pode ser verdadeiramente conhecida se se conhecerem e estudarem os contextos que marcaram o seu processo de desenvolvimento.

O problema do choque de culturas, que culminou, sobretudo a partir do final da guerra fria, com o processo da globalização, suscita-se a partir do momento em que os modelos de adaptação cultural começaram a cruzar-se uns com os outros.

Alguns autores identificam esse momento com o período histórico dos descobrimentos – alguns sustentam mesmo que portugueses e espanhóis são os pais da globalização. Porém julgo que podemos ir mais atrás. O que foi a construção do império romano se não a imposição do seu modelo de desenvolvimento sobre todas as tribos que então povoavam a Europa e cujos elementos acabaram por ser tornados escravos?

E os próprios descobrimentos, não se traduziram também, segundo alguns autores, na imposição do modelo europeu sobre os modelos de organização tribal africanos e sul-americanos, convertendo esses povos à escravatura ou até dizimando aqueles que davam sinais de maior resistência?

E como foram traçadas as fronteiras de grande parte dos países africanos, se não a régua e esquadro movidos por interesses alheios aos povos que habitavam tais territórios e espartilhando algumas tribos com fronteiras que nada lhes diziam?

O problema do choque de culturas, como o estamos a designar, é que, independentemente do período histórico que consideremos, ele tende a realizar-se sempre com base num certo etnocentrismo, através do qual os povos com um padrão cultural mais desenvolvido, por assim dizer, acabam por querer impor as suas soluções, as suas regras, os seus modelos culturais, as suas vontades, justamente porque – com base num processo comparativo – consideram ser superiores e por isso os melhores, esquecendo ou pelo menos negligenciando os modelos culturais – traduzidos também por vontades – dos povos com os quais se cruzam. Se até meados do séc. XX – até à IIª guerra mundial – esses conflitos cultuais traduziam vontades de expansão territorial e económica, passaram, de então para cá, a traduzir essencialmente vontades de expansão de mercados. De uma forma ou de outra, o etnocentrismo deriva também da necessidade de alcançar outros interesses mais profundos…

Porém – e é verdadeiramente aqui que queremos chegar – todas estas movimentações acabam por se traduzir em frustrações, sobretudo para com os povos e as culturas que sentem ficar subjugadas à vontade das que, sob as mais variadas formas, vão impondo o seu modelo.

É que toda esta conflitualidade a que o mundo tem vindo a assistir – onde, para lá das barbaridades inicialmente referidas, podemos incluir os conflitos do médio oriente, no leste europeu, o 11 de setembro nos Estados Unidos, ou os ataques no Metro de Londres e dos comboios em Madrid, para nomear apenas alguns dos mais conhecidos – pode explicar-se também a partir deste acumular de frustrações, de expectativas defraudadas, de ódios que vão crescendo de parte a parte e que, como numa caixa de pandora, vão contribuindo para aumentar a ira e uma certa pressão dos povos uns sobre os outros – dos homens uns sobre os outros… (?) –, e que, se o próprio homem não conseguir encontrar as necessárias válvulas de escape, podem traduzir-se, a prazo, numa autêntica situação de guerra de culturas…