Nuno Moreira, Visão on line,
Olhando um pouco para trás, no decurso deste ano 2009, que agora terminou, considero que não é demais expressar mais uma opinião contra a corrente que foi dominante e que esteve presente em algumas das alterações ao regime jurídico de organização e funcionamento da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) em Portugal, concretizadas com a publicação do Decreto-Lei nº 160/2009. De salientar desde já que esta publicação coincidiu, no mesmo dia, com a aprovação do novo sistema de normalização contabilística (SNC) em Portugal.
Podemos ler no preâmbulo do Decreto-Lei 160/2009:
"Com a aprovação de um novo Sistema de Normalização Contabilística, inspirado nas normas internacionais de contabilidade e nas normas internacionais de relato financeiro, é introduzido, no sistema contabilístico das empresas em geral, um conjunto de conceitos, cuja aplicação, a bem da qualidade da informação financeira a divulgar, se torna necessário controlar. Esse facto, associado à circunstância de as regras relativas à organização e funcionamento da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) serem anteriores às que vigoram para o actual processo de adopção comunitária das normas internacionais de contabilidade, aconselha ao ajustamento e à adaptação do regime de competências, organização e funcionamento daquela Comissão."
Podemos ficar ainda mais agradados quando lemos:
"Pretende -se, deste modo, que a CNC possa controlar a aplicação de critérios de conteúdo mais discricionário, que integram o novo Sistema de Normalização Contabilística, salvaguardando a certeza e a fiabilidade da contabilidade, no âmbito de uma função reguladora geral."
Presumo que, até aqui, é pacífico o consenso; o que nos é referido neste preâmbulo faz todo o sentido, só podemos estar plenamente de acordo, criando, a quem lê, uma significativa expectativa que a "reformulada" CNC vai estar atenta aos novos desafios subjacentes ao processo de harmonização contabilística internacional, vertidos, em grande parte, no novo sistema de normalização contabilística (SNC) que entrou em vigor no passado dia 01 de Janeiro de 2010. Até aqui, podemos afirmar que estarão, à partida, salvaguardados os utilizadores da informação financeira, uma vez que a CNC estará disposta a "controlar" e assumir uma "função reguladora geral", "salvaguardando a certeza e a fiabilidade da contabilidade" e do Relato Financeiro. Ou seja, aparentemente, está salvaguardado o actual paradigma da Contabilidade que, como se sabe, privilegia, em 1º lugar, o utilizador da informação financeira.
Contudo, infelizmente, só os mais incautos poderão acreditar nestas…..intenções. Da leitura atenta deste diploma legal, a desilusão chega logo um pouco mais à frente.
Afinal, que opções foram tomadas?
Alegando questões de agilidade /operacionalidade, no âmbito da modernização que se pretendeu concretizar, podemos também ler "deste modo…reduz-se o número de membros, quer do Conselho Geral, quer da Comissão Executiva, com vista a tornar estes órgãos mais operacionais".
Mas, este "emagrecimento" da CNC foi feito à custa de quem?
No que se refere ao Conselho Geral da CNC, a legislação anterior (1999) preconizava que, num total de 39 entidades estivessem representadas 9 instituições de ensino superior; na legislação actual, num total de 21 entidades, apenas se contempla a presença de 2 escolas superiores. De um peso percentual, em 1999, de 23%, verificamos agora uma representatividade das instituições de ensino superior de apenas 10%. Foi, assim, e sobretudo, à custa do ensino universitário e politécnico que se "emagreceu" a CNC.
Perante um "novo" sistema de normalização contabilística e comparativamente com o anterior Plano Oficial de Contabilidade (POC), a título de exemplo, impõe-se reavaliar qual a "nova" margem de manobra dada à denominada Contabilidade "Criativa", aliás, conforme já referido, é o próprio Decreto-Lei nº 160/2009, no seu preâmbulo, a alertar e assumir no SNC "critérios de conteúdo mais discricionário". Por outro lado, impõe-se também reavaliar a "nova" fronteira entre aquela Contabilidade "Criativa" e um tipo de Relato Financeiro de carácter fraudulento.
No estudo e acompanhamento desta pertinente e importante problemática, associada à gestão e/ou manipulação de resultados e da informação financeira, os docentes e investigadores ligados ao ensino universitário e politécnico, na área da Contabilidade, têm dado um contributo essencial e insubstituível sob o rótulo, nomeadamente, do Earnings Management. Com um "novo" sistema de normalização contabilística, o qual reflecte o processo de harmonização internacional em curso, só com um adequado suporte científico por parte dos referidos docentes e investigadores, cuja respectiva investigação científica configura e integra normalmente um autêntico benchmarking a nível da produção científica internacional, se conseguirá, pelo menos, mitigar o risco de produzir e divulgar informação financeira que não seja fidedigna, bem percebida e útil aos seus utentes.
E este seria apenas um dos possíveis contributos a dar pelas instituições de ensino superior!
Sem dúvida uma opção, imprudente, arriscada e uma oportunidade perdida nesta reformulação da CNC!