Nuno Gonçalves, Visão on line,

Alguns exemplos permitem relembrar a complementaridade entre a economia paralela e o fenómeno da fraude.

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Grande parte da população activa goza as suas férias nos meses do Verão, levando ao aumento da procura e oferta de determinados bens e serviços nesse período. Não é por conseguinte surpreendente que a sazonalidade de algumas actividades económicas se verifique tanto na economia dita oficial como na economia paralela.

Com os dias longos e o clima propício prolifera o arrendamento turístico de curta duração, que nem sempre é contratado de maneira formal. É um fenómeno usual e já com bastante idade este de vermos, um pouco por todas as localidades junto ao mar, anúncios de janela a disponibilizar quartos, ou mais recentemente, e graças às novas tecnologias, a oferta feita por “particulares” de diversos tipos de alojamento para arrendar através da internet e das redes sociais. Estas actividades de arrendamento sazonal, por não declararem os seus rendimentos, são uma forma de economia subterrânea, um tipo de economia paralela que, segundo as últimas notícias, foi estimado pela Associação de Hotelaria de Portugal como representando 80 milhões de euros em 2013, e por consequência levando à perda de cerca de 20 milhões de euros em receitas de impostos para o Estado. Apesar de a motivação para analisar com maior atenção este sector ter partido não das autoridades portuguesas mas da Troika, que considera as rendas não declaradas uma área de grande evasão fiscal, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem vindo a aplicar no terreno inspecções “à paisana” para identificar casos de rendas turísticas não declaradas.

Os arrendamentos de verão não são a única actividade de economia paralela sazonal. Com a reabertura das esplanadas e o aumento da procura pelos serviços de restauração, o trabalho não declarado nestes locais tende a aumentar. Isto representa um acréscimo da economia informal, que se caracteriza normalmente pela procura de rendimentos como meio de subsistência: seja o trabalhador desempregado que aufere de rendimento temporário, ou o jovem estudante que durante as suas férias procura rendimentos extra para cobrir despesas durante o ano. No entanto, quando o objectivo visa apenas o enriquecimento através da fuga ao fisco estamos na presença da economia subterrânea. Muitas actividades alternam entre economia informal e economia subterrânea, entre a procura de meios de subsistência e o claro aproveitamento para a evasão fiscal.

Excursões, passeios de barco e visitas guiadas na cidade passam muitas vezes ao lado da facturação, já que pedir factura não parece ser uma preocupação comum nos turistas nacionais ou estrangeiros. Sustentado pelo fluxo de turismo, o pequeno comércio das “lembranças” tira também o seu quinhão, seja o artesanato local, orgulho das suas localidades de origem, ou a loja que vende os souvenirs alusivos a Portugal fabricados na China, muitas vezes sem facturação e cujas receitas são por norma enviadas para fora do país.

No sector agrícola, a colheita de várias espécies frutícolas da época leva à movimentação de actividades paralelas também elas sazonais, relacionadas maioritariamente com os trabalhadores recrutados. No caso do proprietário de uma pequena quinta que convida os seus familiares e amigos para ajudar na apanha de frutos e que no fim distribui a colheita por todos, falamos claramente de autoconsumo. Mas sabe-se que a exploração de grande parte da actividade agrícola não é para autoconsumo, é sim feita a uma escala muito superior com o propósito de colocar os frutos à venda nos mercados sendo frequentemente exercida com recurso a trabalho não declarado. Apesar de fomentar a economia informal, por vezes as actividades são feitas em condições ilegais de trabalho e com recurso a imigrantes ilegais – economia ilegal.

Todas estas actividades desenvolvem-se à sombra do controlo formal o que torna difícil a sua mensuração. Como Portugal é um destino naturalmente turístico, será a época do Verão o pico das actividades paralelas em Portugal? Provavelmente nos sectores mencionados e indirectamente relacionados sim, mas no global da economia a maioria dos sectores reduzem a sua produtividade pelo que é difícil inferir tal afirmação.

Sazonalidade à parte, alguns dos exemplos demonstrados permitem relembrar a complementaridade entre a economia paralela e o fenómeno da fraude: quando, por exemplo, o arrendamento turístico não declarado pede ao cliente para sinalizar a reserva com um determinado montante e o alojamento não existe; ou quando a oferta de trabalhos agrícolas com boas condições salariais não é mais do que um engodo para situações de escravatura moderna operada por redes criminosas organizadas.