Orlando Mascarenhas, Visão on line,

Na Guiné Equatorial, impera a corrupção, ocupando este país a 163ª posição no ranking da Transparência Internacional

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A Comunidade de Países de Língua Portuguesa, vulgarmente conhecida como CPLP, criada em 17 de Julho de 1996, tem como Estados-membros para além de Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

A CPLP rege-se pelos princípios da igualdade soberana dos Estados membros, pelo respeito da identidade nacional, da reciprocidade de tratamento e, para além de outros, destaco aquele que neste momento considero fundamental, o do primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social.

E destaco este princípio, não só por tudo aquilo que o mesmo representa, como pedra basilar na construção e desenvolvimento da vida do ser humano em sociedade, como também pela importância que o mesmo tem para que os objetivos gerais desta Organização, razão de ser da mesma, se concretizem. Vejamos um desses grandes objetivos: a cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, cultura, desporto e comunicação social.

Como facilmente conseguimos verificar, tal objetivo só é passível de ser perseguido e atingido se os cidadãos dos Estados-Membros viverem o seu dia-a-dia sob o teto da paz, dos direitos humanos, da justiça social, do estado de direito.

Como o próprio nome indica, estamos perante um conjunto de países que possuem em comum um património poderosíssimo, a língua portuguesa, que deverá ser a língua oficial dos Estados que integram esta Organização.

No início do século XX, diversas colónias espanholas foram Unidas sob uma única administração, formando a Guiné Espanhola. Já na segunda metade deste mesmo século XX, como província ultramarina de Espanha e em junção com uma outra, formou-se a região autónoma da Guiné Equatorial e nos finais dos anos 60 tornou-se um país independente.

A Guiné Equatorial possui como língua oficial o castelhano e uma população estimada em cerca de 650.000 habitantes. Possui como principal riqueza a agricultura e a pesca, se bem que, desde finais do século XX, com a exportação do petróleo, o rendimento per capita tem aumentado significativamente. Porém, esta mesma riqueza, encontra-se concentrada nas mãos de uma minoria da população, em particular em pessoas ligadas ao governo. O atual presidente, Teodoro Obiang, foi apontado como sendo o oitavo governante mais rico do mundo.

Na década de 70 do século XX, a Guiné Equatorial foi governada sob o signo da ignorância do povo, da tortura e da morte, apontando-se a Francisco Nguema, então presidente daquele país, o assassinato de milhares de opositores e o uso do terror sobre a população para se manter no governo. Em 1979, através da violência, Teodoro Obiang conquista a presidência, governando o país desde então até aos nossos dias.

Diversas organizações internacionais de direitos humanos, sim, direitos humanos tal e qual como referidos nos princípios da CPLP, apontam a Guiné Equatorial como estando entre os 20 países menos livres do mundo. Tortura em prisões, encarceramento arbitrário, o uso excessivo da força por parte dos elementos de forças de segurança, a falta de assistência médica para aqueles que são alvo destas ações, a falta de liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação e a enorme corrupção a nível oficial - existem enormes suspeitas de fraude generalizada nas eleições de 2009 e 2013, são indicadores de um país que vive no terror, sem qualquer princípio de democracia, sem justiça social, e volto a referir, sem qualquer pingo de direitos humanos, onde neste particular, culmina com a existência no país da execução por força da pena de morte.

No ano de 2014, este que vivemos nas nossas rotinas diárias, na Guiné Equatorial, impera a corrupção, ocupando este país a 163ª posição no ranking da Transparência Internacional, que anualmente mede o índice de perceção de corrupção, num total de 177 países. No ano de 2014, este em que vivemos nas nossas rotinas diárias, na Guiné Equatorial, alguém que se encontre preso, onde possivelmente já se encontra nessa situação fruto de uma intervenção arbitrária e tendenciosa das forças e serviços de segurança a mando de governantes, com muita probabilidade será torturado, não receberá assistência médica e nunca poderá queixar-se. No ano de 2014, este em que vivemos nas nossas rotinas diárias, na Guiné Equatorial, alguém será executado, pois ali existe e aplica-se a pena de morte, tal como aconteceu no ano de 2013, onde sem qualquer registo oficial sobre execuções por aplicação da pena de morte, a Amnistia Internacional confirmava as denúncias de execução de nove pessoas naquele país.

No ano de 2014, este em que vivemos nas nossas rotinas diárias, a Guiné Equatorial já é membro de pleno direito da CPLP. Como tal é possível? Por consenso generalizado favorável à entrada da Guiné Equatorial por parte dos Estados-Membros.

Como tal é possível? Porque vivemos uma hipocrisia profunda. Porque, apesar de tudo na Guiné Equatorial ser contrário aos princípios basilares da CPLP, nem a língua oficial é o português e muito menos existem e se aplicam os direitos humanos, impera um conjunto de interesses económicos, ou não estivéssemos a falar do terceiro produtor de petróleo na África subsariana e onde as grandes construtoras de alguns países da CPLP disputam os contratos na área das infraestruturas.

Os interesses económicos, para todos aqueles que “num consenso generalizado” foram favoráveis à integração da Guiné Equatorial, são largamente superiores às pessoas, à democracia, à paz, aos direitos humanos. Nos princípios constituintes da CPLP, deveriam substituir aquele que muito bem apela a princípios consagrados na carta dos Direitos Humanos e consagrar o princípio do melhor interesse económico. Se assim o fizessem, pelo menos viveriam em coerência com aquilo que fazem e praticam, não sendo hipócritas.