José António Moreira, Jornal i

A Comissão Europeia divulgou recentemente um relatório sobre o estado da corrupção na União Europeia
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A Comissão Europeia divulgou recentemente um relatório sobre o estado da corrupção na União Europeia [COM(2014) 38]. Merece ser lido e pensado. No que respeita ao caso português saliento três dos seus principais resultados.

  1. Percepção dos inquiridos …

“Para 90% destes [76% no conjunto da UE] a corrupção era um problema generalizado no país; segundo 72%, tal problema tinha-se agravado nos últimos três anos; 36% consideravam que eram afectados no seu dia-a-dia pela corrupção [26% na UE].”

Em minha opinião, estes assustadores resultados, em termos absolutos e relativos, podem estar de algum modo amplificados pelo estado anímico da população portuguesa à data do inquérito (2013), revoltada contra o “sistema”, imersa num contexto económico, financeiro e social deveras exigente por via da aplicação das denominadas políticas de austeridade. O que a seguir se refere parece corroborar esta interpretação, embora não ilida a gravidade dos dados acabados de referir.

  1. Contacto directo …

“Quando questionados sobre se tinham contactado directamente com o “pequeno suborno”, menos de 1% dos inquiridos afirmou ter tido tal contacto [4% na UE]. E no caso mais genérico de terem tido contacto ou testemunhado situações de corrupção, também a posição portuguesa é mais favorável do que a média da EU.”

Julgo que este resultado favorável pode estar parcialmente relacionado com o crescente nível de informatização dos serviços públicos – grandes desenvolvimentos têm vindo a ser feitos nesse domínio –, que tende a condicionar a parte passiva da corrupção (o funcionário público) quanto à possibilidade de proporcionar um tratamento diferenciado ao contribuinte/utente, reduzindo o espaço para a existência do suborno.

  1. Impacto nos negócios …

“Para 68% das empresas a corrupção era um obstáculo ao normal desenvolvimentos dos negócios no país [43% na UE]; 79% dos inquiridos respondeu que o suborno e o uso de ligações é o caminho mais simples para obter determinados serviços públicos [69% na UE], sendo que para 76% (referida como a mais elevada percentagem entre os países da EU, que tem média de 47%) o único modo de ter sucesso nos negócios é através do recurso a ligações políticas.”

Este quadro negro, de que merece saliência o papel atribuído às ligações políticas, tende a ser diferenciado por tipo de empresa, referindo o relatório que quanto menor a dimensão desta tanto mais ela é negativamente afectada nos negócios pela corrupção e o nepotismo.

 

O retrato sintético que se apresentou não é animador quando aferido em termos absolutos e relativamente às médias da EU. Mais preocupante ainda são as conclusões do estudo de que, embora Portugal tenha vindo a implementar medidas de combate à corrupção, nomeadamente de natureza legislativa, o país “não possui uma estratégia global” para lutar esse combate. Não menos grave, refere o relatório, a obtenção de “efectivas condenações de casos de corrupção de alto nível tem permanecido um desafio que o país não tem conseguido ultrapassar”, i.e. muitos dos processos levados a tribunal acabam sem uma condenação.

 

Os cidadãos são parte importante da luta. Qualquer futura estratégia global não pode esquecer de os incluir como componente da solução, o que implicará ter de considerar medidas de apoio àqueles que denunciem casos de corrupção. Não se pode conceber que um cidadão que ousa denunciar um caso tenha de arcar com os eventuais custos financeiros daí resultantes. Já lhe bastará suportar os custos pessoais associados.