Óscar Afonso, Jornal i

A concorrência entre agentes económicos em geral e empresas em particular está fortemente distorcida e as receitas fiscais estão muito aquém do esperado

Nesta crónica dou conta de um estudo sobre a quantificação da economia paralela na Região Autónoma dos Açores (RAA), na sequência de um trabalho solicitado pela Câmara do Comércio de Angra do Heroísmo (CCHA) ao Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF). Como já foi referido em crónicas anteriores, a economia paralela, seja subterrânea, ilegal, informal ou de autoconsumo, furta-se à contabilização pelo sistema de contabilidade nacional e deve por isso ser combatida.

Face à escassez de dados macroeconómicos para os Açores, o período temporal de quantificação limitou-se a 1980-2012. No entanto, de modo a robustecer os resultados obtidos, foram usadas duas metodologias alternativas, cientificamente justificadas e testadas. Os valores indicam que o peso da economia paralela na RAA passou dos 12,3% do produto interno bruto (PIB) regional, em 1980, para os 32,0% em 2012. Em 1980, o seu valor ascendia a cerca de 22 milhões de euros (cerca de 90 euros por habitante), e em 2012 correspondia a cerca de 1200 milhões de euros (cerca de 4800 euros por habitante). Face a valores tão expressivos, a concorrência entre agentes económicos em geral e empresas em particular está fortemente distorcida e as receitas fiscais estão muito aquém do esperado.

As principais causas dessa trajectória foram os impostos, os subsídios e as transferências sociais e a taxa de desemprego. Embora o impacto isolado de cada uma das causas careça de análise adicional, pode afirmar-se que, em média e com tudo mais constante, um aumento de 1 ponto percentual dos impostos no PIB aumenta o peso da economia paralela no PIB 0,6563 pontos percentuais - relação que, creio, não pode ser ignorada pelas autoridades políticas.

Não ignorando as dificuldades inerentes às comparações regionais, é inequívoco que a economia paralela na RAA tem um peso no PIB superior à média nacional; em 2012 o diferencial foi de 5,5 pontos percentuais, e será o resultado de diversas particularidades da RAA: o enquadramento geográfico-político-jurídico; a insularidade e a localização geográfica; o sincronismo e dessincronismo da crise; a base das Lajes; a informalidade; a significativa intensidade das relações de vizinhança; os conflitos de interesses decorrentes da proximidade cidadão-Estado; a capacidade de regulação e fiscalização.

Em particular, as especificidades territoriais da RAA impõem exigências de criação e manutenção de infraestruturas dotadas de capacidade de vigilância e controlo do tráfego aéreo e marítimo. Por sua vez, em matéria de regulação e fiscalização, quer o poder tributário próprio da Assembleia Legislativa Regional, quer os poderes legislativos em matéria contra-ordenacional constituem dois relevantes exemplos do contributo que a autonomia insular pode dar ao nível do ordenamento jurídico, na adequação do combate à Economia Paralela na realidade Açoriana. A este propósito, é ainda de salientar a existência de um Plano Operacional de Combate à Economia Paralela, liderado pela Inspecção Regional das Actividades Económicas. Mas é igualmente verdade a inexistência, ou insuficiência, de instituições de regulação e fiscalização na RAA. De facto, algumas entidades que poderiam ter essas funções têm reduzida capacidade de intervenção, seja por escassez de meios, reforçada pela insularidade, seja por encararem a RAA apenas como uma parte de Portugal, não carecendo de uma acção específica, seja ainda pela centralização nacional na tomada de decisões