José António Moreira, Jornal i
Parece ser da mais elementar justiça que as empresas entreguem ao Estado o IVA facturado aos seus clientes apenas quando o receberem destes, evitando assim uma sobrecarga da respectiva tesouraria.
Era uma velha aspiração das associações empresariais e uma medida sempre acarinhada pelos partidos que passam pela oposição. Finalmente, depois de muitos anos de pressão e discussão, no início de Outubro entrou em vigor o denominado regime de "IVA de caixa".
Como explicar então que, de um universo de cerca de 300 mil empresas potenciais candidatas a integrarem esse regime, só poucas centenas tenham aderido?
"Quando um não quer, dois não dançam", diz a sabedoria popular. Ou, dito de outro modo, basta juntar dois ou três grãozinhos de areia na engrenagem e esta deixa de funcionar. Como contraponto à "benesse" da permissão de entrega do IVA depois de o terem recebido dos clientes, o governo impôs às empresas aderentes que só podem recuperar o IVA suportado nas compras efectuadas depois de pagarem estas. [Pelo caminho ficaram logo muitos milhares de empresas que, se aderissem, ainda ficariam com maior aperto financeiro do que antes.] Como se não bastasse, as aderentes ao regime têm de abdicar do direito ao sigilo bancário, permitindo à Autoridade Tributária, a qualquer tempo, o acesso às respectivas contas de depósitos. [As que não tinham desistido à primeira, desistiram agora.] Embrulhem-se estas exigências e constrangimentos numa enorme burocracia contabilística e tem-se a engrenagem completamente bloqueada.
De quem é a culpa por se ter perdido esta oportunidade para aliviar o estrangulamento financeiro das empresas: do governo ou destas? Aquele, decididamente, não queria o regime, caso contrário há muito o teria implementado. Actuou sob pressão, desconfiado do comportamento das empresas no domínio de um imposto onde a fraude e evasão fiscais campeiam. Não transigiu, incluiu os "grãos de areia" necessários. As empresas, por sua vez, não confiaram no Estado, na sua Autoridade Tributária, e daí a relutância em facultarem a esta as suas contas de depósitos. [Elas podem ter algo a esconder, é certo, mas o facto é que o Estado, no domínio dos impostos, nem sempre se comporta como pessoa de bem.]
Eis-nos parados no meio do nada, mais uma vez, por via das desconfianças mútuas de sempre - desconfianças que tudo minam, neste caso como em muitos outros antes. Como seria hoje o país se, algures no passado, por um momento que fosse, as partes - Estado e empresas - tivessem baixado a guarda e esquecido as desconfianças mútuas, cada uma acreditando na boa-fé da outra?
Só podia ser melhor do que é hoje.