António João Maia, Jornal i

Pela sua natureza, os serviços públicos não são linhas de montagem de uma qualquer fábrica de produção industrial

Ciclicamente, sobretudo em momentos de crise mais apertada, como é o que atravessamos, vem a público o discurso da necessidade de reestruturação do Estado. Invariavelmente, esse discurso provoca ondas de choque com os mais díspares sentidos. Cria-se uma teia de argumentos, fundamentada em razões válidas e atendíveis, como sejam a redução de custos, a procura de maior eficácia e qualidade dos serviços ou os direitos dos funcionários. Na prática estes argumentos têm-se traduzido numa barreira ao avanço do processo. Talvez por isso, os sucessivos governos acabam por não conseguir passar de medidas pontuais, tomadas fora de uma estratégia que as contextualize, como vimos em "A Remodelação do Estado - Questão-chave Para o Futuro" (ver artigo).

O exemplo mais recente traduz-se no aumento de uma hora por dia no horário de trabalho dos funcionários públicos e, alegadamente, destina-se a incrementar a produtividade dos serviços da Administração Pública. Como as anteriores, ela está a suscitar as mais diversas reacções, quer de apoio quer de repúdio.

Esta reflexão procura apontar alguns dos potenciais efeitos práticos que, com alguma probabilidade, considero, podem derivar da adopção da medida e que a afastam dos seus propósitos.

Em primeiro lugar verificamos que, pela sua natureza, os serviços públicos não são (nem assim devem ser vistos) linhas de montagem de uma qualquer fábrica de produção industrial, em que facilmente se associa uma maior produtividade ao aumento do horário de laboração. Se, em certo sentido, uma associação desta natureza se pode fazer em áreas de contacto com o cidadão (de balcão), em todas as outras parece-nos claramente que assim não seja. Além do mais, o contacto com os serviços através de linhas informáticas (serviços online) tem vindo a reduzir a procura ao balcão e as necessidades de pessoal nestas funções. No entanto esta talvez seja a área dos serviços públicos em que faça sentido a medida agora avançada.

No mais, parece-nos claramente que não.

Os serviços são integrados essencialmente por três grupos de funcionários: os mais zelosos, sempre disponíveis e motivados para a execução de todas as tarefas (a quem se recorre, por se saber da certeza e da qualidade do seu trabalho); depois, talvez o grupo maior, os que desenvolvem as tarefas de forma correcta, com um ritmo próprio, com maior ou menor motivação, em função da utilidade que associam às suas tarefas; e um grupo residual, que se pode considerar improdutivo, pouco zeloso e desmotivado, que passa grande parte do tempo a discutir os projectos, para invariavelmente invocar a sua inutilidade e não participar neles.

A nova medida não produzirá grandes efeitos sobre o primeiro grupo, uma vez que estes funcionários são os que geralmente ficavam até mais tarde ou levavam trabalho para casa, de modo a concluírem atempadamente e com qualidade as suas tarefas. Quanto ao segundo grupo, admite-se que a medida contribua para os desmotivar e fazer com que baixem o ritmo de trabalho. Para os terceiros, ela é apenas mais um argumento para questionar e invocar.

Na prática, bem vistas as coisas, a medida não incrementará muito mais do que os consumos de energia eléctrica, de água, de telefone, de papel e tinta das impressoras e dos acessos a páginas e a jogos da internet, com o correspondente custo que lhes está associado...