Manuel Ramos, Jornal i online
Não deveria o condenado impedido de gerir um orçamento de meia dúzia de milhões num qualquer município, depois de ter perdido o mandato, ser, por maioria de razão, impedido de gerir um orçamento de dezenas de milhares de milhões como administrador numa qualquer empresa pública?
Conta-se - não pode ser verdade! - que, durante a COVID, já a coisa ia avançada, já a chantagem branca, melhor, pressão alta, se tinha consumado, um governante pediu - não poderia exigir - a baixa de preço de algumas operações.
O empenho, melhor, o empenhamento estatal que qualquer liberal defende nessas circunstâncias, era significativo e os pequenos operadores, aqueles que menos tinham lucrado, mas tinham lucrado, assentiram nessa correção.
Os grandes também.
Estaria o Secretário de Estado à espera de que a boa notícia do corte nos custos o tornasse num ajudante de ministro reconhecido pela sua competência e eficácia, quando, sabe se lá porquê, um dos representantes dos magníficos disse: os preços não são para baixar. E não baixaram.
Ouvimos todos a condenação sucessiva dos bancos e de um hipotético, terá de ser hipotético, “cartel da banca”, assim denominado, para depois vermos, ouvirmos e lermos - não podemos ignorar! – que, de derrota em derrota, se chegou à vitória final ou que de vitória em vitória se chegou à derrota final- há sempre duas perspectivas..
Semelhante resultado não conseguem o talho da esquina, a mercearia do bairro ou o tasca aqui ao lado, ou a taberna, como agora se diz, - a justiça é cega como se sabe, e o dinheiro, apesar de mais rastreável, continua, no entanto, sem cor.
Vem isto a propósito de uma discussão que eventualmente merece ser (re)aberta: a responsabilidade civil e criminal dos juízes e a avaliação do sistema de separação dos poderes, designadamente, se continua a fazer sentido nos termos em que existe hoje, e, ainda, se todos os poderes são iguais.
E já que falamos em justiça e em leis (o nosso País, como diz um amigo, é um País de leis perfeitas perfeitamente inaplicáveis) faz sentido que um autarca seja condenado criminalmente e perca o mandato pelo uso indevido e pontual de uma viatura? Faz sentido? Ou por se deslocar a um curso altamente qualificado?
Não deveria haver uma revisitação dos mecanismos de fiscalização e controlo e uma ponderação de interesses, tratando com severidade apenas o que é grave?
Pelo contrário, não deveria o condenado impedido de gerir um orçamento de meia dúzia de milhões num qualquer município, depois de ter perdido o mandato, ser, por maioria de razão, impedido de gerir um orçamento de dezenas de milhares de milhões como administrador numa qualquer empresa pública?
E não se deveria alargar o período de gestão para um momento pré-eleitoral consistente e estabelecer reais cominações a decisões tomadas em violação dessa limitação de poderes?
E finalmente, reconhecendo que os actores vestem melhor, têm melhores carros e são mais cultos, não estará hoje por vezes e pontualmente a Contratação Pública ao nível de um qualquer embuste sofisticado e revestido de estrita legalidade muito parecido na parte negativa com o velho cambão?
Ou, como dizia o outro, corruptela por corruptela a melhor é a de vândalo para bandalho!