António André Inácio, Jornal i online
Não basta regulamentar a ética e a deontologia, é necessário praticá-la de forma que não permita equívocos ao cidadão
A transparência, por parte das entidades oficiais, confere maior legitimidade e eficácia à sua atuação, subordinadas que estão no Estado de Direito Democrático à responsabilização perante os cidadãos. A Justiça enquanto pilar fulcral da tutela dos Direitos Fundamentais, é, deve ser, o garante do cumprimento da legalidade, atuando subordinada a rigorosos valores de ética e imparcialidade, asseverando assim o regular funcionamento da sociedade e do Estado, incutindo um sentimento de segurança nos cidadãos.
Nesse sentido, a Deliberação n.º 609/2024 do Plenário Ordinário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 16 de abril de 2024, que aprova o código de conduta dos juízes dos tribunais judiciais revela-se como um importante instrumento orientador, visando criar um compromisso de conduta dos juízes dos Tribunais Judiciais, tanto no exercício das suas funções como nos atos da sua vida privada com repercussão no desempenho funcional e na dignidade do seu cargo.
Este código de conduta vai beber ao trabalho desenvolvido pelo Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO), criado no âmbito do Conselho da Europa, o qual tem difundido recomendações no sentido que de que o Estatuto do Magistrado Judicial não substitui um código de conduta, “nomeadamente por não regular o recebimento de ofertas e os conflitos de interesses”.
Seguindo essa linham o CSM considera que a matéria estritamente disciplinar regulada no Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) “não esgota o universo de condutas que têm repercussão direta e indireta no exercício das funções dos juízes” e na “perceção deste exercício pelos cidadãos”. Assim, defende a prevalência de obrigações que assentam num conjunto de valores comuns e que se projetam em deveres de conduta de eco mais ético do que jurídico.
Nomeadamente, “os juízes dos Tribunais Judiciais abstêm-se de participar em atividades extrajudiciais que possam ser considerados, por uma pessoa razoável, bem informada, objetiva e de boa-fé, como suscetíveis de afetar a confiança dos cidadãos na imparcialidade das suas análises e decisões”.
No seu artigo 3º, a respeito dos Princípios Éticos, proclama que “os magistrados judiciais observam na sua conduta, os princípios da independência, imparcialidade, integridade, urbanidade, humanismo, diligência e reserva.”
Já, nos termos do artigo 5º, nº 3, “Os magistrados judiciais abstêm-se de participar em atividades extrajudiciais suscetíveis de colocar em causa a sua imparcialidade e que contendam ou possam vir a contender com o exercício da sua função ou com a confiança do cidadão na independência e imparcialidade da sua decisão.”
Por fim, conforme artigo 6º, sob a epígrafe “Integridade”, “Os magistrados judiciais empenham-se em preservar a dignidade da função judicial, pressupondo que a mesma exige uma conduta pessoal e profissional que a não ponha em causa.”
Encontram-se naturalmente previstas exceções, quando devidamente justificadas. Nomeadamente os Magistrados podem aceitar convites ou benefícios similares relacionados com a participação em cerimónias oficiais, conferências, congressos, seminários ou outros eventos análogos, “quando subsista interesse público relevante na participação, nomeadamente, em razão de representação oficial que importe assegurar”.
Vem tudo isto a propósito da realização, por parte do CSM (o mesmo que aprovou o Código de Conduta) do seu XVIII encontro anual, sob o sugestivo título “A transformação do poder judicial na democracia de abril”, que decorreu no Teatro Municipal de Vila Real, nos dias 10 e 11 de outubro.
Se devemos enaltecer a descentralização do evento, bem como o empenho da Câmara Municipal de Vila Real, a qual contribuiu com um relevante apoio monetário, vinte e um mil euros segundo a imprensa escrita, não podemos ignorar os factos.
Encontra-se em tramitação um processo-crime, a cargo do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto, em que são visados edis daquele município e vários empresários, sob suspeita de ilícitos relacionados com contratação pública, aprovação de projetos e transferências de dinheiro, entre outros.
O próprio Tribunal de Vila Real foi objeto de buscas por suspeita de funcionários judiciais haverem passado informação aos visados, sob o teor e evolução da investigação, incorrendo assim em crime de violação do segredo de justiça.
Ora perante tudo isto, o cidadão tem o dever de se interrogar sobre o que mudou desde Roma? É que “à mulher de César, não basta sê-lo, é preciso parecê-lo”. Parece-nos difícil justificar com “interesse público relevante na participação” a aceitação por parte do CSM do apoio de uma Edilidade que está sob investigação. Diríamos mesmo que, salvo melhor opinião, dá um sinal contrário ao que emana do código de conduta recentemente aprovado e leva-nos a outra expressão popular “que bem prega Frei Bernardes”.
Não basta regulamentar a ética e a deontologia, é necessário praticá-la de forma que não permita equívocos ao cidadão.